O número de pessoas com fome está em ascensão, 821 milhões de pessoas não recebem comida suficiente. Em 2013, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) premiou 38 países, entre eles o Brasil, por terem reduzido a fome pela metade bem antes do prazo estabelecido pela ONU. O cumprimento da meta pelos países premiados considerou a diferença do número de famintos entre 1990 e 1992 e entre 2010 e 2012. Hoje me deparo com a notícia que podemos retornar ao Mapa da Fome. Esta notícia me levou a devaneios entre passado, presente e futuro.
Me vieram muitas lembranças passadas, me lembrei da cadela Baleia e da família que fugia da terra árida e da vida seca. Como chorei com esse livro. Por anos eu ouvia falar que a seca no nordeste do Brasil matava e eu não entendia como podiam deixar pessoas morrendo de sede e fome? Perguntei ao meu pai o que faziam para ajudar aquelas pessoas, ele me disse que elas rezavam ao “Padim Padi Cícero”. Já adolescente descobri que o problema era ainda maior, não só o nordeste brasileiro, mas a África também sofria absurdamente pela falta de alimento. Será que eles também tinham um padrinho que fazia chover? Acho que não. Tinham o Michael Jackson. Chorei e ainda choro ao ouvir We Are The World. Também naquele ano não consegui comer a ceia de Natal e levei tudo o que consegui juntar para uma família que vi sob a ponte. Me deparei com a situação da pobreza e da fome ainda em um cenário de privilégios, também me deparei com a omissão dos que me circundavam e com a invisibilidade daqueles que mais sofrem com a fome, mulheres, crianças e negros.
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A vida adulta piorou o quadro, a desesperança tomou conta e pensei que nada mais e ninguém iria realmente resolver essa questão. Foi quando me deparei com olhos azuis e um corpo magrelo segurando um prato vazio: “Quem tem fome tem pressa”, dizia Herbert de Souza, o Betinho. Meus olhos retomaram o brilho quando ouvia ele falar sobre a necessidade de os brasileiros terem consciência de que haviam milhões de pessoas que passavam fome no país. Fiz coro, alimentei a campanha, mas descobri que deixar alimento não perecível na porta do evento, não salvava as pessoas. Era preciso lutar.
Anos mais tarde, mais que nunca, eu tinha que mudar essa situação, pois eu acabava de trazer ao mundo outro ser e não podia de forma alguma permitir que ela ou qualquer outro ser que nascesse na Terra passassem sede ou fome. Mas para acabar com a fome era preciso acabar também com Instabilidade política, a ineficácia e má administração dos recursos naturais, com as guerras e conflitos civis, melhorar o acesso dos trabalhadores rurais aos meios de produção, distribuir terra aos sem-terra e a toda população envolvida nessa injusta e antidemocrática estrutura fundiária, marcada pela concentração das terras nas mãos de poucos e poderosos, com a criação de gado e a influência de empresas transnacionais de alimentos na produção agrícolas, difundido técnicas e hábitos alimentares nada saudáveis nem ao ser, nem ao planeta. Como se não bastasse, ainda temos a canalização dos recursos financeiros para a produção de materiais bélicos. O conflito e a violência em várias partes do mundo são um dos principais propulsores da fome e da insegurança alimentar, sugerindo que os esforços para combater a fome devem estar de mãos dadas com os que sustentam a paz. “Há uma estreita relação entre paz e segurança alimentar. Toda a vez que nós vemos aumentar a insegurança alimentar devido às guerras, principalmente, e ao impacto das mudanças climáticas, à seca sobretudo, o número de pessoas [que passam fome] também aumenta” José Graziano da Silva, chefe da FAO Brasil.
Como o que está ruim pode ficar pior, vieram as mudanças climáticas nos trazendo um cenário nada favorável. Então você me pergunta, “com tudo isso ainda é possível acabar com a fome?” Sim é possível. Mas não cortando verbas da saúde e da educação ou entregando aos ruralistas nossa agricultura, negando a demarcação de terras indígenas e quilombolas que faremos essa transformação tão necessária. Assusto-me, pois me parece que estou caminhando de ré. O mundo inteiro buscando acabar com a fome e a miséria e nós aqui na Terra do Faz de Conta, aumentamos ainda mais o fosso da disparidade social. A fome tem rosto, tem classe e endereço, e seus perpetuadores também.
Inadmissível para um mundo onde os seres que o habitam ‘que se dizem’ humanos e se consideram os únicos animais “evoluídos”. Como pode o Ser Humano ser egoísta e mesquinho ao ponto de deixar morrer aquele que não lhe dá lucro?
A fome, não é particularmente produto da escassez de alimentos, mas da forma como produzimos o alimento em toda sua cadeia, desde o plantio até as redes de distribuição de alimentos ou de frágeis políticas públicas no mundo em desenvolvimento. Uma situação que já conhecemos de sobra, vimos durante a formulação do Código Florestal, o poder da bancada ruralista no Congresso. As grandes plantações agrícolas de monocultura não são nada pop, utilizam grandes quantidades de água e acabam por danificarem o sistema hídrico natural. Produzimos alimentos envenenados e aumentamos o quadro de fome e seca.
A grande produção de monoculturas e de gado deve dar espaço para a agrofloresta sintrópica e a preservação ambiental urgentemente. Pois esta é muito mais do que um processo de plantio, ela torna-se uma filosofia de vida, onde começamos a perceber nossa inclusão no meio produtivo de alimento onde toda a vida forma uma rede de sistemas complexos que interagem entre si, em uma intensa troca de força e energia. Assim devemos reger nossas vidas, assim também deve funcionar a agricultura. “Você não é o mais inteligente ali. Não é o dono. É só uma parte, uma célula”, diz Ernst Götsch, um suíço radicado no Brasil que expande no país e no mundo a agricultura sintrópica.
A agricultura vista sob um ângulo mais abrangente nos permite retornar à luta contra a fome com uma variante sem precedentes, a água. Enquanto a agricultura tradicional desgasta o solo e requer quantidades enormes de água em todo o processo, a agricultura sintrópica nos traz de volta a água ao solo, recuperando-o. Pois é necessário água em quantidade e qualidade para produzir, transformar e preparar alimentos. E tudo isso me leva mais uma vez ao derradeiro plano de salvar o mundo: Salvar nossas águas!
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É mesmo assustador saber que milhões de pessoas bebem água proveniente de fontes não potáveis e sofrem de fome. A produção de alimentos seguros, nutritivos e suficientes deve ser vista por todos através do paradigma da prosperidade, como um direito humano, com prioridade para os mais vulneráveis, através da compaixão incondicional, sem competição ou escassez. Com abundância e cooperação. Através das redes de parcerias, capacidades aprimoradas de gerenciamento de riscos, financiamento previsível em grande escala e de vários anos para que políticas, programas e práticas de redução e gestão de riscos de desastres e adaptação às mudanças climáticas e recuperação de nascentes e rios se consolidem.
Não desisto e te convido a vir junto em busca de uma mudança interna de valores para uma mudança concreta e eficaz na agricultura, de forma sensível aos sistemas alimentares. “A gente não quer só comer, A gente quer comer e quer fazer amor” Titãs
Não queremos somente acabar com a fome, queremos alimentos seguros e de alta qualidade, livres de pesticidas e agrotóxicos, promovendo vidas saudáveis, bem-estar e prosperidade para todos.
Constansa Becker – Gestora ambiental e colaboradora do Banco de Tempo de Brusque