“Vai ser um desafio por muito tempo”: superintendente da Fundema fala sobre poluição no rio Itajaí-Mirim, em Brusque

Ana Helena Boos aborda dificuldades de fiscalização e apresenta ações para trazer mais efetividade no combate aos despejos irregulares

“Vai ser um desafio por muito tempo”: superintendente da Fundema fala sobre poluição no rio Itajaí-Mirim, em Brusque

Ana Helena Boos aborda dificuldades de fiscalização e apresenta ações para trazer mais efetividade no combate aos despejos irregulares

Com as constantes ocorrências de coloração escura e mau cheiro no rio Itajaí-Mirim e após investigação do Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC), a superintendente da Fundação Municipal do Meio Ambiente de Brusque (Fundema), Ana Helena Boos, foi entrevistada pelo jornal O Município. Ela falou sobre dificuldades na fiscalização, necessidade de recursos e ações planejadas para minimizar o despejo irregular de efluentes no rio.

“Desde que eu assumi a presidência da Fundema, este sempre foi um desafio. Acredito que na minha primeira entrevista eu deixei muito claro, que é o maior desafio. Desde lá, a gente vem trabalhando em projetos, em planos de monitoramento e em como agir efetivamente”, conta.

O inquérito civil do MP-SC apura se o órgão preenche os requisitos legais e regulamentares para expedir licenciamentos e realizar suas atividades no município. Ana avalia a investigação de forma positiva. Além disso, salienta que algumas medidas de investimento na fiscalização já estão sendo tomadas, antes mesmo do início do processo.

“A Fundema tem trabalhado para tentar evitar esses acontecimentos [despejo irregular]. São ações de fiscalização e monitoramento de empresas. Estamos mapeando quais são as empresas que têm produção de efluentes e que lançam os efluentes, que precisam ser tratados, na canalização do rio”, afirma.

Ana detalha que a Fundema já conta um mapeamento dos empreendimentos que fazem o descarte regular. São empresas que destinam resíduos para outras empresas, além daquelas que mantêm o efluente por um tempo e fazem uma prévia do tratamento antes de destinar para outro local.

Entretanto, segundo a superintendente, 70% dessas empresas são licenciadas pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA). Portanto, os licenciamentos e informações desses processos são detido pelo órgão estadual, como o tipo de material utilizado e de que forma é feito o processo de tratamento. “Essas grandes empresas, que são as maiores no potencial poluidor, que geram mais efluentes, são de responsabilidade do IMA, falo da responsabilidade de fiscalização”, reforça.

Conforme ela, a situação dificulta a ação da Fundema na hora de autuar uma empresa. “Quando algo acontece, temos somente as licenças, mas quem detém a operação da empresa num todo é o IMA. Não temos o conhecimento se o que a empresa está lançando pode ou não ser regular. Então, isso nos dificulta porque, de forma imediata, não conseguimos solicitar essas informações ao instituto, o que acaba nos fazendo perder o flagrante”, explica.

Outra problemática é antiga: a dificuldade de verificar de onde sai o efluente, pois quando é finalmente visto no rio, ele pode ter sido despejado a quilômetros de distância. “A gente só pode fazer esse tipo de autuação quando houver o flagrante ou evidências. Só que, quando aparece essa coloração, a gente realmente não consegue mais buscar da onde saiu. Isso acaba sendo uma deficiência para conseguirmos localizar”, desabafa.

Caminhos das tubulações

Ciro Groh/Arquivo O Município

Ana afirma que a Fundema tem trabalhado para melhorar a fiscalização. Outra ação realizada é o pedido para que as empresas forneçam o caminho das tubulações com coordenadas geográficas.

“Temos pensado em notificar as empresas para que providenciem uma placa nas saídas das tubulações, pois a legislação estadual determina que as identifiquem. Acreditamos que a eficiência disso terá um reflexo na situação”, aponta.

Porém, há registros de tubulações clandestinas na cidade. Nestes casos, o órgão deve continuar sem ter informações diretamente das indústrias e estabelecimentos. “Muitos casos podem vir dessas tubulações, mas é bem difícil fazer essa identificação. Teríamos que saber de onde está saindo e onde está sendo lançado o efluente. Saber esse caminho seria algo mais complicado, precisamos do auxílio e ter mais órgão envolvidos, como o de obras na parte de drenagem. Seria um investimento maior”, comenta.

Porém, Ana relata que cerca de cinco empresas foram notificadas e autuadas após flagrante no último ano. Os procedimentos administrativos estão sendo analisados e podem ser julgados. Ela detalha que a multa gira em torno de R$ 70 mil, mas que ainda não foram pagas, pois os processos ainda estão tramitando. “Têm atenuantes e agravantes. A maioria dessas empresas são tinturarias e lavanderias”, destaca.

Mais fiscais

Para o inquérito do MP-SC, a fundação municipal afirmou que “opera somente com base em denúncias realizadas junto ao órgão, sendo que estas precisam estar dotadas de local e horário corretos para atuação precisa dos fiscais”.

Ainda, a Fundema destaca que tal modo de agir estaria vinculado ao fato de “contar com apenas dois fiscais”. De acordo com a superintendente, o órgão municipal deve finalizar 2023 com mais dois agentes na fiscalização.

“A demanda da fiscalização da Fundema é muito grande em Brusque, pois temos muito trabalho. Desde o ano passado, estamos fazendo a contratação de um concurso público e será aberto mais duas vagas para fiscais com contratação imediata. Já disponibilizamos para esse ano os recursos para essa contração. É uma necessidade latente, tanto que viemos buscando isso desde o início da gestão”, afirma.

Laboratório credenciado

Outra ação a ser focada pela Fundema é o credenciamento de um laboratório credenciado para a análises das coletas dos efluentes. “A gente está verificando a possibilidade do laboratório fazer a coleta e encaminhar para análise. Aí teremos um relatório, que poderemos comprovar se houve ou não um descarte irregular”, explica.

“Tem uma demora de resposta, mas ao menos saberemos que foi encaminhado, que foi coletado por uma pessoa especializada e foi encaminhado a um laboratório também especializado, que pode nos dar um retorno robusto. Assim, podemos fundamentar e nos resguardar ainda mais em uma autuação”, justifica.

Segundo ela, o credenciamento de um laboratório deve ocorrer em no máximo três meses.

Investimentos em ações

Luiz Antonello/O Município

Em requerimento aprovado durante a sessão ordinária de 21 de março, o vereador Deivis da Silva (MDB) sugeriu à Prefeitura de Brusque a instalação de câmeras de vigilância nos ribeirões que desembocam no rio Itajaí-Mirim.

Ele defende que a medida contribuiria para as atividades fiscalizatórias da Fundema e permitiria a todo cidadão acionar o órgão mais rapidamente ao flagrar possíveis crimes ambientais contra o rio.

Ana comenta que a ação é um ponto levantado e levado em consideração, entre os planos de ações desenvolvidas. Porém, ela salienta que o órgão precisa verificar ainda como ocorreria a implantação desse monitoramento e os custos, que podem não ser abarcados com os recursos disponíveis para a fundação.

“A gente precisa se desenvolver ainda mais. Aliado a isso, precisamos ter o laboratório e também operações coletivas com o IMA, a Polícia Ambiental e com todos esses outros órgãos fiscalizadores”, conta.

Foco dos recursos

A superintendente destaca que, de forma prioritária, serão feitas outras ações já planejadas, como a identificação nas tubulações, credenciamento de laboratório e a contratação de novos fiscais. Tratam-se de ações a serem realizadas em breve.

“Precisaríamos contar também com novas tecnologias, como sensores, câmeras, drones e, mais para frente, até a possibilidade de um equipamento náutico, para que a Fundema possa navegar no rio, fazer a fiscalização e não precisar sempre de apoio de outros órgãos. Porque hoje a gente precisa de suporte para poder fazer alguns tipos de fiscalizações”, lista.

Sobre a busca por recursos, Ana relata que é uma situação bem complicada para o poder público. “A gente tem que destinar recursos para cada setor, é difícil. Só que a gente tem o Fundo do Meio Ambiente e, para muitas dessas ações, a gente acredita que consigamos utilizar esse recurso. Não vejo nenhuma posição do governo com relação a isso, desde que a gente consiga utilizar de forma consciente e com resultado. Precisamos de mais investimentos, mas precisamos destiná-los de forma correta”, defende.

“A gente sabe que tem coisas que são morosas até conseguir colocar em prática. O que eu vejo hoje é que é um desafio e que vai ser um desafio por muito tempo. Só que visualizar que isso tá realmente saindo do papel, os planos, e a gente conseguir dar um retorno é gratificante. Quando a gente conseguir mostrar esse resultado, verificar que isso é possível e que a gente vai conseguir pelo menos dar uma resposta e dar um respaldo para essa situação”, completa.

Falta de apoio do IMA

Ana explica que, quando alguma ocorrência é registrada no município, a Fundema comunica o IMA e pede por suporte e apoio. Porém, a superintendente afirma que, como o órgão estadual também conta com uma equipe reduzida, não é possível a vinda de profissionais até Brusque para auxiliá-los. “Às vezes, até a própria Polícia Ambiental também não consegue dar esse auxílio”, diz.

Ela ainda explica que a colaboração do IMA não é feita apenas com informações. “Eu acho que é mais uma atuação conjunta para estar realmente fiscalizando se as empresas estão cumprindo com as condicionantes, se estão apresentando as condicionantes corretas. É o temos buscado fazer com as empresas que nós temos licenciado”, diz.

Segundo Ana, por falta desse apoio do IMA, a Fundema acaba tentando suprir a fiscalização que deveria ser feita pelo órgão estadual. A superintendente ressalta que  o órgão municipal não pode assumir os licenciamentos do IMA por conta da legislação estadual.

“Só que daí o IMA tem muito mais aparelhos e eles têm muitos mais equipamentos técnicos. Com eles, a gente poderia ter um resultado imediato. É isso que eu vejo como problema, pois nós ainda não temos. Então se o IMA participasse mais e fosse mais cooperativo nesse sentido a gente conseguiria mostrar muito mais resultados”, defende.

Apesar disso, Ana reforça que a Fundema tem uma boa relação com o IMA, seja na troca de informações ou na solução de dúvidas.

“Eu acho que, com os planos que temos traçado para desenvolver aqui dentro da Fundema, vamos conseguir ter um bom resultado. Só que, por outro lado, o ônus que o município acaba acarretando, se quem recebe todo benefício é o IMA, com o valor dos licenciamentos, me deixa angustiada”, desabafa.

“O IMA poderia estar mais próximo da gente atuando em conjunto, a gente dividiria essa despesa e mostraria um resultado. Eu não romantizo o fim dessa situação, mas de certa forma a gente tenta. Sempre buscamos contato, temos canal direto com o IMA, então a gente sempre se contata”, diz.

O problema, de acordo com a superintendente, é que quando a Fundema chega na parte da fiscalização, não consegue chegar em um denominador comum com o órgão estadual. “A gente está aqui absorvendo, dentro do que é possível, dentro do que a gente tem atribuição. Estamos buscando o máximo para estar tentando, pelo menos, minimizar a situação”, finaliza.

Denúncia

Ana aponta que a Fundema conta com alguns canais de denúncia, como a ouvidoria, o e-mail fundema@brusque.sc.gov.br, o telefone (47) 3355-6193 e o Plantão WhatsApp (47) 98873-1826.

São recebidos todos os tipos de denúncias voltadas para a área ambiental, como, por exemplo, relacionadas à fauna, flora, terraplenagens, Áreas de Preservação Permanente (APP), disposição irregular de resíduos sólidos, empresas operando sem as devidas licenças ambientais ou em desacordo com os controles ambientais estabelecidos, emissões atmosféricas, despejo de efluente.


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