É já sabido que os conservadores tem um talento inato para aparecer, de vez em vez, no meio de um caos politico do qual eles mesmos são responsáveis, para elevar algum personagem bizarro, extravagante, baixo o discurso da renovação moral e da necessidade de uma “mão forte” que acabe com a decadência politica que eles mesmos ajudaram a criar e que, sempre, distancia-se muito de ter as dimensões que eles asseguram que tem.
Quando uso o termo “conservador”, estou me referindo a um setor social que existe historicamente desde os alvores da civilização. São os mesmos que julgaram e condenaram Sócrates, acusando-o de ser um pervertido e de corromper a juventude e não respeitar os deuses (alguma analogia com o presente?), quando na verdade o que os incomodava eram as opiniões dele contra a tirania em momentos em que na Grécia toda se pedia pela volta à ditadura.
Foram os conservadores os que convalidaram, pelo menos num começo, os dois ditadores mais macabros da história da Roma como foram Nero e Calígula. Foram os conservadores os que reprimiram de forma sanguinária as repúblicas instauradas durante as revoltas de 1848, em toda a Europa, levando os países europeus para o retrocesso institucional, instaurando novamente as monarquias, retrocessos dos quais alguns deles não saíram ainda hoje.
São os responsáveis das duas guerras mundiais. São o sul dos Estados Unidos que se negou a aceitar a lei que abolia a escravidão, provocando a guerra civil que deixou o sinistro saldo de 750.000 pessoas mortas. São a igreja que torturou, reprimiu, assassinou pessoas, mulheres, pensadores, artistas, todos inocentes na imensa maioria dos casos, durante a antiga história medieval, chegando a fazê-lo também quase no presente.
Mas eles sempre conseguem desaparecer, fazer desaparecer a história para assim reaparecer, renovados, isentos. Conseguem gerar indignação popular por interesses que lhes são alheios. Assim, fazem que o pobre medieval fique indignado porque a rainha não conseguiu comprar o vestido que ela queria para o casamento real.
O pobre medieval fica indignado e sente ódio e desejo de punir os responsáveis disso acontecer. Basta então com que o culpado dessa grande desonra seja indicado como o receptáculo onde o pobre poderá jogar sua fúria, uma fúria que não lhe pertence, mas que o invade pelas incontáveis vezes em que o conservador o avassalou com informação falsa, fazendo-o sentir participante de uma classe que na verdade o despreza e deseja sua desaparição.
A Argentina é o exemplo mais recente dessa repetição cíclica da história. Mauricio Macri fez campanha política se apresentando como o candidato da mudança (“El Cambio”), a renovação, um politico que não era politico, mesmo sendo prefeito reeleito da Cidade de Buenos Aires e quando já fazia mais de dez anos que participava ativamente da politica.
Ele era “o fim da corrupção”, mesmo sendo um dos políticos mais processados por casos de irregularidades e dela mesma: a corrupção. Sendo filho de um dos homens mais ricos da Argentina, sempre foi extremamente difícil conseguir que ele seja julgado como seria feito com qualquer pessoa comum – os outros, o povo. Foi e ainda hoje é difícil, mesmo que as mídias falem dos escândalos em que ele está envolvido. Na Argentina, silenciado e silenciando, Macri continua com seu perfil de “patriarca bonzinho”, vítima de boicotes esquerdistas que querem corromper a sempre “inocente sociedade”.
O certo é que, no seu terceiro ano de governo, Macri, o conservador liberal empresário que ia resolver os problemas da economia e de corrupção na Argentina, já ostenta alguns recordes mundialmente conhecidos. É a pior administração da América, vai para o terceiro ano consecutivo com uma inflação acima dos 30%, tem recordes de escândalos por corrupção, de aumentos nos serviços públicos: 1000% na luz, 1000% no gás, 600% na água.
Obviamente, a violência social não só não parou, como os casos de roubos, estupros, feminicídios e homicídios aumentaram exponencialmente por causa do aumento da população em situação de extrema pobreza e o incontrolável tráfico de drogas, que cada dia cresce mais nas mãos de uma policia que ganhou novos armamentos, sendo inútil ainda na prevenção de qualquer tipo crime e tendo que enfrentar um cenário cada dia mais desfavorável.
Até aqui você tem o direito de achar esse texto extremamente tendencioso. Tem algo que ainda não falei, algo que o “presidente da salvação” fez e que tocou um ponto muito sensível em mim e em todos os que pensam como eu. Para isso, talvez eu precise fazer uma breve apresentação.
Me chamo Juan Manuel Palomino Domínguez. Tenho 38 anos e há 5 anos que estou morando aqui no Brasil. Tenho atingido algumas metas que envaideceriam a vários, mas existe particularmente uma que meu patético desejo de humildade não consegue silenciar: Fui professor na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires (UBA).
Quinze presidentes da Argentina e cinco prêmios Nobel já foram alunos dessa instituição. Considerada a melhor universidade pública (gratuita) do mundo, também já foi considerada a melhor universidade do continente, superando qualquer universidade pública ou privada. Mas essas são estatísticas e cálculos que não provam muita coisa.
O fato de ela ser gratuita e ter esse renome atraem estudantes de todo o mundo, em especial da América Latina. Jovens do Brasil, chilenos, bolivianos, colombianos, paraguaios, de todos os países da região, se decidem por estudar lá. Isso a torna uma universidade cosmopolita, com um nível de troca cultural bem alto. E é justamente esse imponente universo cultural e acadêmico que hoje passa uma das piores crises da sua história graças à incompetência e negligência do governo Macri.
Fui professor, ali, do seminário “Fotografia de documentário”, ensinando aos estudantes das carreiras de História, Antropologia, Filosofia e Literatura a criarem narrativas documentaristas com fotos. Fiz isso durante todo o ano de 2013. Nesse ano, assisti a uma conferência do Ernesto Laclau, um teórico político argentino a quem você provavelmente não conhece, mas que é honoris causa em todas as universidades dos pais e já deu conferencias em todos os países de fala hispânica. Além disso, é professor na Universidade de Essex e na Universidade da Nova York. O título da conferência foi “A construção discursiva dos antagonismos sociais”, e foi baseada num ensaio escrito pelo mesmo Laclau, segue um trecho do que foi dito naquele dia:
O fascismo (fenômeno que abrange também o nazismo) é caracterizado através de qualquer análise político-histórica tradicional-acadêmica, como um fenômeno de mobilização da sociedade contra a ameaça socialista popular. É uma reação dos setores conservadores, religiosos e militares contra a dinâmica que produz os logros sociais das minorias historicamente silenciadas, que não cabem dentro da narrativa nacional oficial. É quando essas minorias começam a ter visibilidade (a causa das suas lutas incansáveis) que provocam um incômodo que a pequena burguesia é incapaz de engolir.
Sentem-se, assim, ameaçados em sua identidade. Sabemos que a identidade burguesa se sustenta em símbolos que representam acordos socais, as cores de uma bandeira, a palavra “família” que para o pensamento burguês tem um significado único e imutável. E quando eles percebem a mutabilidade, natural, que todos seus suportes simbólicos estão sofrendo, agem. É esse agir que funciona como um ator individual do que, em conjunto, chamamos de “fascismo”.
Num estado fascista, a ideologia racista, nacionalista, militarista, a politização da pequena burguesia e a interpelação do popular resultam indissociáveis de uma direção estratégica e uma necessidade de expansão do grande capital.
Os conservadores odeiam isso, odeiam conferências, conversas, novas ideias. Ponderam uma verdade original, tradicional, e usam armas para defendê-la. Não curtem debate, não gostam de aprofundamentos históricos, não gostam dos saberes múltiplos. Eles precisam de poucos saberes que os favoreçam e logo precisam que todos, mesmo os que não são favorecidos por elas, as aceitem e aceitem que elas sejam impostas a partir da violência.
Eles precisam que a violência seja desejada, quase que de forma desesperante, ainda por aqueles que serão diretamente prejudicados por ela. Eles são apoiados maioritariamente por pessoas que têm medo, que se sentem ameaçadas por fantasmas ou pequenos monstros agigantados pela imprensa.
Assim, conseguem que as sociedades esqueçam-se do quão responsáveis são pelas catástrofes humanas que lamentamos historicamente, e mais uma vez se propõem a oferecer “A terra prometida”, aquela Atlântida paradisíaca que afundou por causa do pensamento moderno, das inovações sociais que deram direitos aos que estavam silenciados.
Vendem o mapa, quase sem indicações, sem propostas específicas, sempre assim – nosso eterno retorno. Não podem dizer o que se tem de real nessa ilha distante porque poucos serão os beneficiados. Nós, a grande maioria, teremos que pagar para ver, seja qual for o preço futuro.
Eles, hoje, estão tomando o poder e o controle do Brasil. Já atingiram as mentes da população, já confundiram, alienaram, amedrontaram. Agora vão fazer uso da cólera popular, da ira coletiva para encher de poder o líder patriarca que vai usá-lo contra os mais fracos, os desprotegidos, contra alguns dos que o colocaram nesse palco. Nunca é tarde para pensar, a opção lógica e racional sempre deve ser a mais democrática. Nunca a discriminação, sempre a inclusão. Brasil, terra querida, amada, admirada. É a tua hora de te rebelar contra a tirania.