O
dinheiro é uma criação humana, que se tornou necessária para facilitar as cada
vez mais intensas trocas de mercadorias e serviços, à medida que a civilização
avançava e se complexificava. Ninguém, no uso da razão, dirá que não gosta de
dinheiro, e costumamos “diagnosticar” o grau de loucura de alguém perguntando
se tal pessoa “rasga dinheiro”. Pois bem, tal como todas as coisas de que
dispomos para viver, o dinheiro pode ser nosso aliado ou se tornar nosso
inimigo. É preciso apenas definir quem está a serviço de quem.
Na
história da humanidade, muitas barbaridades já foram cometidas em nome do
dinheiro, e é na presença dele, ou na iminência de poder possuí-lo ou perdê-lo
que se mostram ou se deturpam nossos valores mais íntimos. No passado, guerras
cruéis foram travadas pela posse de terras e suas riquezas ou pelo controle
estratégico de locais propícios ao comércio. A sede pelo dinheiro também
motivou muitos à batalha pelo poder, desconhecendo, no curso dela, qualquer
princípio humano que limitasse sua ambição. Nero matou a própria mãe, Judas
traiu Jesus por trinta moedas e o anseio por lucros levou grande parte da
humanidade à escravidão por séculos, assim como a ambição pelo dinheiro parece
ter sido o principal motivo da perseguição nazista aos judeus e das guerras
contemporâneas pelo petróleo e outras fontes de energia. Quem acompanha o
julgamento do “mensalão” vê com clareza o que a ânsia pelo dinheiro pode
produzir.
Quando
o Mestre afirmou que não se pode servir a Deus e ao dinheiro, parece que estava
dizendo que, ao servirmos ao dinheiro, nos tornamos escravos dele, obedecemos
às suas ordens e, para tanto, abdicamos do que é mais nobre na nossa natureza.
Mas
isso não é apologia à pobreza. É muito diferente “servir ao dinheiro” e
“servir-se dele”, sobretudo quando é fruto do próprio trabalho, talento e
dedicação. A figura que considero a mais ilustre e o melhor exemplo da história
do Brasil foi simplesmente o homem mais rico do país no século XIX, o Barão de
Mauá. Mas sua trajetória de vida o credenciou a usufruir da riqueza que
construiu. Não tenho dúvidas de que a prosperidade daqueles que têm talento e
se empenham nos negócios não só é merecida, como oferece inúmeras oportunidades
para nós outros. Mas o dinheiro que vem sem esforço pode ser nossa sentença de
morte do ponto de vista dos valores humanos. Não à toa tantas empresas de
sucesso vão à bancarrota tão logo a segunda geração da família assume os
negócios.
Mas
esse tema me veio à mente por conta da briga judicial dos dois catarinenses
ganhadores da megassena, que insistem em ficar, cada um, sozinho com o prêmio.
Ora, eram dois pobretões e agora podem dividir 27 milhões de reais. Mas estão
há cinco anos sem usufruir do dinheiro, pois um tenta impedir que o outro
também usufrua. Não sei exatamente o que aconteceu com aquele bilhete de
loteria, mas essa batalha jurídica ilustra bem do que somos capazes quando o
dinheiro altera nossa percepção das coisas e nos tira do equilíbrio da reta
razão. Que prosperemos, mas sem esquecer que o trabalho honesto, a amizade, a
ética, são valores que não se comparam a qualquer soma de milhões.