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Nos anos 1940, epidemia de malária atingiu 70% dos brusquenses

Operários das fábricas não conseguiam trabalhar e cidade recebeu o Serviço de Malariologia, do Ministério da Saúde

Na década de 40, a Fábrica de Tecidos Carlos Renaux paralisou várias máquinas da seção de fiação, tecelagem e tinturaria por falta de operários no trabalho. Os trabalhadores não conseguiam cumprir os turnos pois ficavam doentes.

Era a malária. A doença parasitária cria ciclos típicos de febre, traz calafrios e muito suor, faz doer as articulações e, em alguns casos, causa vômitos e convulsões periódicas. 

O surto da doença na cidade durou alguns anos.  No livro “Flagelo da Malária em Brusque”, Aloisius Lauth relata que no inverno de 1942, 40% a 42% dos tecelões e fiandeiros da Fábrica Renaux não compareciam ao turno devido à febre intermitente, provocada pelo surto de malária na cidade.

Além da fábrica, o Seminário de Azambuja também sofreu bastante com a doença, tanto que no começo dos anos 40, as Irmãs da Divina Providência alertaram a Arquidiocese de Florianópolis sobre o grande número de seminaristas doentes.

Foto: Arquivo Raulino Reitz

De acordo com o livro, com a doença se espalhando rapidamente, as autoridades iniciaram uma campanha de erradicação, porém, em 1944, a malária já havia atacado de 60% a 70% da população da cidade, uns com mais intensidade do que outros.

A campanha visando a erradicação da malária na cidade consistia na caça de mosquitos e insetos indefinidos, dentro e fora das casas. A Fábrica Renaux contratou um engenheiro  para drenar o solo ao redor da fábrica, na avenida Primeiro de Maio, o que deu origem à lagoa acima da tinturaria de fios. Também foi instalado o Serviço Nacional da Malária, no centro de Brusque.

Em 1944, a malária já havia atacado de 60% a 70% da população da cidade, uns com mais intensidade do que outros

Essas ações, entretanto, não foram suficientes para erradicar a doença no município. Brusque ainda foi considerada um grande foco de malária. Nesta altura, a doença não era exclusividade da região próxima ao seminário e a fábrica, havia se espalhado para toda a cidade e também municípios vizinhos como Blumenau, Itajaí, Ibirama e Tijucas. Lauth destaca que o litoral catarinense, de São Francisco do Sul a Laguna, foi mapeado como ‘Zona de Malária’ pelo Ministério da Saúde.

Como Brusque foi uma das cidades mais atingidas pela doença, foi instalado um centro de pesquisa e um laboratório do Serviço de Malariologia, dirigido pelo Ministério da Saúde.

Lauth explica em seu livro, que comemora o centenário do padre Raulino Reitz, que os estudos iniciais no local revelavam forte conexão da epidemia com a presença de bromélias nas matas nativas. 

O Ministério da Saúde solicitou, então, aos Estados Unidos, relatórios técnicos da doença e pediu o envio de um especialista em bromeliologia para auxiliar nas pesquisas. A resposta do governo americano foi de que um dos maiores especialistas no assunto vivia em Azambuja: o padre Raulino Reitz, professor do Seminário de Azambuja.

Ele não aceitou ser contratado pelo Serviço Nacional da Malária, mas contribuiu como voluntário. O próprio padre foi vítima da doença algumas vezes, a maioria durante sua estadia no seminário, em Brusque. Reitz afirma em seu livro:

“Fui vítima da malária desde criança. Os raros acessos febris em minha casa paterna se tornaram frequentes no Seminário em Azambuja, em Brusque, onde graçava a terrível endemia, adoecendo em alguns anos até oito vezes”.

A malária é causada por protozoários transmitidos pela fêmea infectada do mosquito Anopheles, que se procria em ambientes aquáticos de bromélias, bambus e taquaras e em águas límpidas da mata.

Em sua obra, Lauth informa que foram estudadas 42 espécies e 12 variedades de bromélias em Brusque e região. Também foram capturados para análises mais de 120 mil mosquitos da região do Vale do Itajaí. 

O território da coleta em Brusque foi dividido em seis estações de estudo no fim dos anos 40 e início dos anos 50: Estação de Ribeirão do Ouro; Estação de Maluche; Estação de São Pedro; Estação de Müller; Estação de Azambuja e Estação de Hoffmann. 

As atividades de campo encerraram em 1952. Resquícios das matas analisadas pelo Serviço da Malária em Brusque estão conservados ainda hoje na Chácara Edith, próximo ao centro da cidade

Uma das ações pioneiras no Brasil foi a aplicação de veneno DDT pulverizado por aeronaves de pequeno porte sobre áreas de maior incidência de mosquitos.

Acreditava-se que as bromélias eram as geradoras preferenciais dos hospedeiros da epidemia. As águas das plantas foram recolhidas e analisadas, porém, os resultados não confirmaram essa hipótese. 

Chegou-se à conclusão que as bromélias não eram as preferenciais para o desenvolvimento do mosquito transmissor da malária, mas tinham condições necessárias para tal. A conclusão final do estudo foi de que as bromélias não são as causadoras exclusivas da presença do mosquito.

A epidemia de malária foi controlada em Santa Catarina no final de 1952, e os estudos e expedições de padre Reitz em Brusque foram fundamentais para o enfrentamento da doença dali em diante.

Lauth destaca que a partir desta conclusão, a solução imediata encontrada pela equipe foi o desmatamento dos arredores das cidades, numa distância superior a 100 metros, que seriam suficientes para barrar o vôo dos mosquitos. Em Brusque, ocorreu o desmatamento de uma área superior a 11,5 mil metros quadrados, ao custo de 2,14 milhões de cruzeiros.

“O resultado do desmatamento transformará os morros de Brusque nos anos 50 em áreas completamente peladas, a exemplo do morro do Sindicato dos Operários que dará início ao processo natural de erosão do solo”, destaca o historiador. Hoje, estas áreas são ocupadas por loteamentos residenciais de alto padrão, principalmente após as enchentes de 1983 e 1984. 

O resultado do desmatamento transformará os morros de Brusque nos anos 50 em áreas completamente peladas

As áreas desmatadas deveriam ser reflorestadas com árvores não sujeitas à infestação de bromélias, como o eucalipto, por exemplo.

Lauth ressalta que após o fim da epidemia de malária, as autoridades de Brusque formularam as primeiras políticas sanitárias urbanas, que ainda não foram concluídas, como esgoto, lixo e água tratada para todos.

Em meados de 1952 iniciou a discussão da retificação do rio Itajaí-Mirim na zona urbana da cidade que, mais tarde, originaria na construção da avenida  Beira Rio, tendo em vista sua necessidade como canal extravasor das águas de enchente.

Lauth destaca ainda o Plano de Urbanização criado pelo prefeito Antônio Heil, em 1966, com a retificação da vala da avenida Primeiro de Maio e a drenagem dos terrenos da Fábrica Renaux, além da planificação da praça de Azambuja,  que ganhou novo traçado, terraplanagem e a canalização do córrego em 1968. 

“O fim da epidemia modernizou, por assim dizer, todos os espaços urbanos da cidade de Brusque, tornando-os mais livres e bonitos”.


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