Os militares não querem assumir o comando do país. Eles sabem que governar agora é mau negócio. É chegar ao incêndio depois que as labaredas e a fumaça já tomaram conta de tudo.

O poder que teriam com um novo golpe não compensaria o imenso trabalho de revitalizar nossos organismos e nosso tecido social. Eles, os militares, inteligentes que são, sabem disso. O que digo realmente não é ironia. Basta vermos os índices de excelência das escolas militares pelo Brasil afora. Eles, os militares, não são burros o suficiente para assumir o Brasil de 2018.

Se assumissem, os generais teriam um primeiro problema: conter a liberdade de expressão em um mundo que, diferente de 1964, dispõe de redes sociais e a potência popularizante da Internet. A rede é, sem dúvida, uma das maiores conquistas da democracia. Na filosofia – essa ciência que diagnostica o tempo, a sociedade e o homem – estão na moda teorias sobre a linguagem, a narração, a comunicação, os atos de fala, etc. Essa tendência ao debate crítico é conquista e reflexo de um mundo dominado pela grande arena de diálogo criada a partir da web.

Na foto, Lucia Murat, diretora dos filmes “Que Bom Te Ver Viva” (1989) e “Uma Longa Viagem (2011) – ambos sobre a ditadura / Foto: Divulgação

No entanto, se os militares não servem e nem estão dispostos a assumir essa bronca, quem está?

Paradoxalmente, é nosso dever agradecer (nas nossas preces e meditações matinais) a todos os pré-candidatos à presidência desse ano. Estes que, por interesse, bondade, ingenuidade ou todas essas coisas juntas, estão dispostos a propor projetos e a trabalhar no/pelo Brasil. Muito mais do que a criação de memes e o interminável mal estar advindo da “falta de opções” entre os candidatos, o pensamento político e eleitoral do processo democrático mostra-se muito mais complexo do que um simples falatório inseguro.

O poder, hoje com mais obstáculos para locupletar-se via corrupção, ainda é altamente sedutor. E, nesse caso, é ótimo que ainda tenhamos gente disposta a gastar a própria saúde (física e mental) para governar uma geringonça como o país do “jeitinho brasileiro”.

Como nação, construímos um sistema que, com erros e acertos, privilegia a democracia, o diálogo e a busca de consensos por meio de negociações. Negociar é preciso, governar não é preciso. Num grupo de Whatsapp, amigos criticavam Ciro Gomes pelo fato de ter prometido negociar com todos envolvidos no processo de “reconstrução” do país. Em época de extremismos e humilhações públicas no espaço virtual, a negociação parece o contrário da solução – e não é.

Fomos domesticados a exterminar o exército contrário, mas nunca a negociar com ele. Em relação à autoridade estatal, que precisa ser reestabelecida muito mais com diálogos possíveis do que com totalitarismos violentos, penso que – ao observarmos o cenário que se desdobra nesses tempos eleitorais – Ciro seja um Bolsonaro 3.0 em vantagem acerca de seu polimento político.

Não nos enganemos: precisamos, no momento atual, de certa dose de autoridade. Nesse sentido, a autoridade não é o contrário da liberdade e da democracia, mas um aliado na manutenção do cenário intricado que é o governo brasileiro. Ciro, se jogar água fria nas próprias pulsões de morte, terá nas mãos a dosagem apropriada que se espera de um candidato de 60 anos.

Desse tempo estranho de desabastecimento geral, não haverá quem não tenha percebido que o Brasil ficou mais poético: menos carros, menos velocidade, menos roncos de motor, mais casais andando no meio da rua, mais gente andando de bicicleta, mais pessoas sem trabalhar excessiva e absurdamente – esse ritmo “normal” com o qual a população espera vencer (?) na vida.

Um fato curioso: até hoje, ninguém soube responder de modo convincente por que os carros têm potência de velocidade superior ao maior limite legal. Há conjecturas econômicas amedrontadoras que se pode fazer com esse fenômeno estranho. No entanto, o fato nos mostra como os caminhoneiros foram mais eficazes que a lei para fazer os motoristas andarem nos limites legais de velocidade.

Imagino que em pouco tempo os trens vão dominar o mundo. E os carros terão censores que vão identificar o limite de velocidade da via e, automaticamente, pisar no freio, ainda que o motorista afunde o pé.

Em 1932, Aldous Huxley lançava seu “Admirável Mundo Novo”, uma distopia que antecipava desenvolvimentos em tecnologia reprodutiva, hipnopedia, manipulação psicológica e condicionamento clássico, desenvolvendo-se a partir do contraponto entre uma hipotética civilização ultra-estruturada e a nossa / Foto: Divulgação

No futuro, os governos vão governar de modo eficiente, já que terão percebido as incapacidades do dinheiro para resolver questões ligadas à paz de espírito. No futuro, as pessoas que roncam motor terão vergonha de roncá-lo em público, e os carros, apesar de dar menos trabalho, serão mais lentos.

A vida deverá ser mais lenta e contemplativa, porque o pensamento e o bem-estar levam tempo.