É assim que as coisas se movimentam: depois do depoimento do Luís que entrou aqui na nossa conversa semana passada, o mosaico ganha novas peças e, talvez, a história do festival de rock que aconteceu na praia do Estaleiro em 1977 ganhe mais dimensões. Esta semana, quem deu seu testemunho ocular da história foi Sergio Roberto Duarte.

Lembranças de um evento inesquecível

Tente imaginar, numa cidade com cerca de 30.000 mil habitantes, onde um grupo de adolescentes, viciados em Rock, com idades entre 15 e 18 anos, ficam sabendo que acontecerá um festival de rock, nos moldes do famoso Woodstock, a cerca de 40 km de suas casas. Foi o que aconteceu com cinco jovens que viviam em Brusque nos anos 70.

Li o relado do amigo Luís Brusque, centrado basicamente no backstagedo evento. Vou dar minha visão no meio da galera. Assim começa meu relato sobre o Camburock, que aconteceu no fim de janeiro de 1977, no município de Balneário Camboriú, litoral norte de Santa Catarina.

Nós cinco frequentávamos Balneário Camboriú e Itapema nos verões dos anos 70. No restante do ano, após a quarta de cinzas até o feriado de 15 de novembro, os dois balneários eram quase um deserto, salvo um ou outro fim de semana.

Ficamos sabendo da organização do festival no fim do ano 1976, pois costumávamos ir a uma boite (era assim que se chamavam as casas noturnas onde se ia dançar, beber e “azarar as gatinhas”). Foi mais de um mês de preparativos e ansiedade. Afinal, para quem vivia quase isolado do mundo, ter a chance de assistir, num único evento, quase todas as grandes bandas de rock do Brasil que cultuávamos, era o máximo. O festival, como todos sabemos, aconteceu na região que, na época, era chamada de Mato de Camboriú, no lado sul do Morro do Boi, onde hoje existe um hotel do grupo Candeias.

Como ficamos sabendo que provavelmente faltaria “rango”, tratamos de providenciar um estoque de enlatados. Era feijoada, almôndegas e dobradinha em lata. Na sexta feira, com toda a logística feita, fomos os cinco, ao início da Rodovia Antonio Heil, na praça Vicente Só, para tentar, de carona, chegar ao “Show de Nossas Vidas”. Em grupos separados, conseguimos chegar em Balneário Camboriú.

Mais uma carona, estávamos na “Portaria do Camburock”. Uma mera porteira de madeira com seguranças cobrando os ingressos. Como íamos acampar, me lembro que fizemos na hora uma vaquinha entre nós cinco, para a taxa de camping. O palco ficava do lado esquerdo de quem entrava. Na frente do palco, uma grande área gramada para o público, mais ao fundo, próximo da praia, uma área para as barracas. Barraca armada, os enlatados empilhados no fundo, era hora de conhecer o local da “festa”.

No fim da tarde de sexta feira, o tempo começou a mudar. Vento, muito vento. Uma trovoada épica. A cobertura de lona do palco foi arrancada. Um raio atingiu o transformador que fornecia energia elétrica para o palco e para todo o local do festival. Shows suspensos até que a CELESC trocasse o transformador. Os shows sofreram atrasos. Mas ninguém ligava para isto. Nos sentíamos como “na era de Aquarius”, mesmo que com dez anos de atraso. O público era o mais heterogêneo que eu já tinha presenciado. Mas não recordo de nenhuma briga, nenhum desentendimento. Todos na mais completa paz, curtindo o lugar, os shows….

Um capítulo a parte eram os “sanitários” do local. Simples “latrinas”. No sábado pela tarde ninguém suportava mais o aroma que vinha do local.

Um fato que deve ser mencionado era quantidade absurda de policiais, que lá estavam a “procura” de drogas. Se acharam alguma ou se prenderam alguém, não se ficou sabendo.

A grande diversão, durante o dia, para curtir e ajudar a passar a ressaca da noite anterior era dar “jacarés” nas águas. Para quem não conhece a região, a areia é bem grossa e o mar afunda muito rápido. Perfeito para jacarés. Mais uma lembrança pitoresca, foi o “baile” que uma moça deu na polícia no sábado a noite. Ela faz topless e subiu ao palco, por um dos lados do mesmo. Atravessou o palco de um lado a outro, com a policia atrás. O pessoal de palco a protegeu e dificultou a perseguição policial. Ela desceu, circulou pela galera, que também a protegeu. Repetiu esta volta no palco três ou quatro vezes.

Enfim, mais uma lembrança foram os Hare Krishna circulando entre a publico, com suas roupas laranja e seus cânticos. Finalmente, para mim o festival foi uma “aventura” fantástica. Foram três dias inesquecíveis. Lembranças, que mesmo depois de 40 anos, ainda são inesquecíveis.

Sergio Roberto Duarte 17 anos à época do festival.