João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - joaojoseleal@omunicipio.com.br

O cinema que passou

João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - joaojoseleal@omunicipio.com.br

O cinema que passou

João José Leal

Gosto de cinema, que considero a arte plural. Para mim, cinema é teatro, literatura, música e artes visuais. Enfim, é cultura em geral. Um bom filme, com seus atores representando uma infinidade de personalidades, encenando ações de coragem e fraqueza, de virtude e maldade, de tristeza e alegria, de vitória e derrota, projeta na tela iluminada todo o drama da vida humana.

Criança, menos de 10 anos de idade, assisti meu primeiro filme, no salão do 4 de Maio, clube tijuquense improvisado em sala de cinema. Era um faroeste. O mocinho, parece-me, Hopalong Cassidy ou Tom Mix, vestido numa calça tipo bombacha, cinturão com grande fivela, camisa de mangas compridas, lenço no pescoço, chapéu de caubói, revólver no coldre, montava um cavalo branco a correr atrás de bandidos pelas pradarias do velho oeste norteamericano.

Cheguei em casa aturdido, desconfiado, sem saber se aquelas imagens e cenas de cavaleiros, bandidos e mocinho cavalgando campo a fora, num tiroteio infernal, eram verdadeiramente reais. Ou se eu tinha vivido apenas momentos de ilusão, na escuridão daquele salão mágico.

Um incêndio reduziu o 4 de Maio a cinzas. Então, veio um alemão de Blumenau, construiu um galpão de madeira e Tijucas voltou a ter uma casa de cinema, o Cine-Lohse. Nas matinês dos domingos à tarde e nas sessões noturnas, quando a censura permitia, assisti às comédias-pastelão do Gordo e Magro e de Charles Chaplin, o Carlitos, com aquela cara triste, aquele jeito bobo e de fraqueza, mas sempre tirando sarro do atlético vilão. Faziam a alegria da gurizada e, também, dos adultos porque rir sempre foi um bom remédio para espantar a tristeza e os males de qualquer idade.

O cinema do meu tempo de juventude, não era apenas uma grande sala para a projeção do filme em cartaz e de culto à sétima arte. Era, também, um espaço público, ponto de reunião semanal de boa parte da comunidade. As sessões de domingo, eram o grande acontecimento social de cada semana. Sempre lotadas, adquirir um ingresso exigia um exercício de paciência sem fim, em longas e demoradas filas, daquelas de se estender calçada afora, de dar volta no quarteirão.

Na escuridão da grande sala, olhos fixos nas imagens em movimento projetadas no ecrã mágico iluminado, ouvidos atentos à música e aos diálogos, mentes concentradas no enredo quase sempre envolto num triângulo amoroso, o galã do bem e da beleza sempre vencendo a maldade do vilão para ficar com o disputado prêmio, a linda mocinha. E, invariavelmente, tudo terminava num final feliz.

Nem todos estavam interessados no que se passava na tela da magia cinematográfica. Jovens namorados, longe do olhar da sogra, aproveitavam o escuro do ambiente para os primeiros beijos e outros afagos próprios da sensualidade e da libido juvenil. Quantos namoros iniciados no escurinho de um cinema não acabaram também no final feliz de um casamento?

Tudo muda. Hoje, os jovens não se escondem mais do olhar da sogra nem precisam do escuro de uma sala de cinema para namorar.

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