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Há exatos 75 anos partiu para vida eterna o Cônsul Carlos Renaux

*Por Paulo Vendelino Kons, historiador e organizador da homenagem ao Cônsul Carlos Renaux que marca os 75 anos de seu falecimento Em 28 de janeiro de 1945, de sua residência, a Vila Goucky, às 10h30min daquele domingo, o maior benfeitor de Brusque partiu para a vida eterna, aos 82 anos. O imigrante franco-alemão Carl Christian Renaux não apenas transmudou a geografia econômica, social e […]

*Por Paulo Vendelino Kons, historiador e organizador da homenagem ao Cônsul Carlos Renaux que marca os 75 anos de seu falecimento

Em 28 de janeiro de 1945, de sua residência, a Vila Goucky, às 10h30min daquele domingo, o maior benfeitor de Brusque partiu para a vida eterna, aos 82 anos.

O imigrante franco-alemão Carl Christian Renaux não apenas transmudou a geografia econômica, social e política do Vale do Itajaí e de Santa Catarina; seu empreendedorismo marcou a história econômica do Brasil.

Carl Christian nasceu na cidade de Loerrach, no Grão Ducado de Baden (sul da atual Alemanha) em 11 de março de 1862. De uma família de classe média, tinha escolaridade equivalente ao atual ensino médio e treinamento como aprendiz no Banco Hipotecário de Loerrach. Emigrou para o Brasil em 1882. O visto de entrada de Carl Christian Renaux no Brasil foi concedido pela Polícia do Porto do Rio de Janeiro em 24 de setembro de 1882.

Mesmo munido de carta de recomendação a importantes firmas do Rio de Janeiro, Renaux procurou em vão uma colocação adequada ao chegar ao Brasil. Por intermédio da Inspetoria da Imigração seguiu então no mesmo ano para Santa Catarina a bordo do “Rio Appa”, dirigindo-se para Blumenau, onde encontrou logo o emprego de caixeiro no negócio de Theodor Lueders, em Salto Weissbach (caminho da subida para Rio do Sul).

Em seguida deslocou-se para Gaspar, onde Luiz Altenburg, seu novo empregador e um dos principais comerciantes de Blumenau, tinha uma filial. Em Gaspar, casou em 1884 com Selma Wagner, filha do pioneiro Pedro Wagner, que participara da fundação da primeira colônia alemã de Santa Catarina (São Pedro de Alcântara, em 1º de março de 1829) e do primeiro assentamento ocorrido em Gaspar, em 1835.

Prefeito de Brusque e Constituinte
Após o casamento, percebeu possibilidades de desenvolvimento no recém-criado município de São Luiz Gonzaga (Brusque), onde assumiu o cargo de gerente da filial de Asseburg & Willerding, atuante no comércio de exportação de produtos coloniais, em Itajaí. Um ano depois, adquiriu a filial que estava gerenciando, tendo para isso contribuído, além do relacionamento e da confiabilidade adquirida, o dote recebido por sua mulher, no valor de 10 contos de réis.

Em 1890, nomeado pelo governo estadual, presidiu o Conselho Municipal. Foi escolhido para o cargo de Superintendente (Prefeito Municipal) em várias gestões. Renaux era republicano e a derrubada do Regime Monárquico, em 15 de novembro de 1889, constituiu-se em fator determinante para a sua entrada bem-sucedida na arena política.  A proclamação da República deixara algumas figuras importantes da política em situação difícil, abrindo espaço para novas lideranças, habilitadas pela naturalização concedida pela novel Constituição brasileira. Partidário de Lauro Müller e Felipe Schmidt, Carlos Renaux foi eleito para compor a Assembleia Constituinte de Santa Catarina, em 1891.

Fábrica Renaux
Renaux se associou ao agricultor e comerciante Augusto Klappoth e a Paul Hoepcke, também comerciante, com atuação em Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis), para fundar a Fábrica de Tecidos Carlos Renaux, em 11 de março de 1892, data em que completou 30 anos. O slogan do primeiro Centenário de Brusque, de autoria do padre e cientista Raulino Reitz, “Brusque, Berço da Fiação Catarinense”, foi inspirado e fundamentado no fato de a Fábrica Renaux, no ano de 1900, ser a primeira indústria a instalar uma fiação em Santa Catarina.

A chegada de tecelões provenientes da região têxtil de Lodz, na Polônia, foi decisiva para a implantação do ramo têxtil em Brusque, pois detinham o conhecimento do ofício de transformar fios de algodão em tecido. Haviam emigrado para o Brasil por causa das más condições de trabalho e por constituírem uma minoria étnica – eram na sua maioria de origem alemã, vivendo na região da Polônia sob o domínio russo e sofrendo diversas restrições de ordem política e social. Ao se estabelecerem na região, receberam lotes impróprios para a prática da agricultura e, por não possuírem experiência agrária anterior, se viram impelidos a aceitar o trabalho assalariado no empreendimento têxtil.

“Os marceneiros fabricadores dos referidos teares foram os irmãos Bepi e Francisco Pruner. Os tecelões de Lodz eram Karl Gottlieb Petermann (esposa e três filhos menores); Gottlieb Tietzmann (e família); Franz Kreibich (e família); Wilhelm Jakowsky (e família); Julius Hacke; Alvin Schaffel; Eduardo Franz; Gustav Schlösser (esposa e três filhos menores Hugo, Adolfo e Carlos), vindo apenas em 1896, diretamente para a Vila” (Ayres Gevaerd, Os tecelões de Lodz na História de Brusque, em Blumenau em Cadernos, março de 1962, p. 45-46, texto lido na comemoração do 1º Centenário do Nascimento do Cônsul Carlos Renaux, em 11-III-1962).

Ao transferir-se para a Europa em 1919, um ano antes, em 1918, Carlos Renaux transformou sua firma em sociedade anônima, cujo diretor presidente passou a ser seu filho mais velho Otto Reginaldo Renaux.

Condenado à morte
Florianista, Renaux foi aprisionado pelas tropas do sanguinário general maragato Gumercindo Saraiva, durante a Revolução Federalista (1893-1895). Submetido a Conselho de Guerra dos revoltosos, em Blumenau, foi condenado à morte por fuzilamento.

Foi salvo pelo chefe do partido federalista blumenauense, Elesbão Pinto da Luz, que atuara como servidor público nas colônias que originaram Brusque. Com a derrota dos federalistas, Elesbão foi condenado à pena de morte, figurando entre os fuzilados na Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim, por ordem direta de Antônio Moreira César (que no governo de Santa Catarina promoveu um ‘ajuste de contas’: prisões e fuzilamentos sumários de militares e civis foram praticados em represália à rebeldia federalista, inclusive o fuzilamento do Marechal Gama d’Eça – primeiro e único barão de Batovi).

Política brusquense
Na política local, Carlos Renaux suplantou, em definitivo, o seu principal adversário, Guilherme Krieger, coronel comandante da Guarda Nacional em Brusque, nas eleições de 1914. Desde os tempos do Império, fora renhida a luta política entre os grupos liderados por Krieger e Renaux pelo comando do poder local.

Ironicamente “Aos 02 de abril de 1910, Otto Reginaldo Renaux, de vinte e dois anos de idade, industrial, filho legítimo do Tenente Coronel Carlos Renaux e de Dona Selma Renaux, e Augusta Carolina Ida Krieger, de vinte e três anos de idade, filha legítima do Coronel Guilherme Krieger e de Dona Carolina Krieger, se uniram pelos sagrados laços do matrimônio”.

Esposas e filhos
Casou três vezes: com Selma Wagner (no ano de 1884); Hanna Maria von Schoenenbeck e Maria Luiza Auguste Linaerts, a dona Goucky.

O jornal O Município, edição nº. 521, de 3 de dezembro de 1965, informa que “Selma Wagner Renaux, esposa do Cônsul Carlos Renaux, nasceu a 8 de dezembro de 1867, em Blumenau. Filha de Pedro Wagner, um dos pioneiros da colonização do Vale do Itajaí, e de sua segunda esposa, Frederica Metzner. Foi muito compreensiva e caridosa, tendo sido uma das inspiradoras da obra humanitária e altruística que o Cônsul Renaux realizou em Brusque. Foi conhecida como a “mãe dos pobres”.

Com Selma Wagner teve os filhos Wilhelm Max, Sophia Renaux Bauer, Maria Bueckmann, Otto Reginaldo, Oscar, Carlos Júlio, Paulo Guilherme, Luís, Carlos Júnior, Guilherme e Selma Gommersbach.

Carlos Renaux exigiu que todos os filhos homens tivessem adequada formação, de acordo com suas aptidões. Com grande contribuição científica à cultura do algodão, Dr. Guilherme Renaux, o Willy, foi o segundo engenheiro agrônomo de Santa Catarina. Hercílio Luz fora o primeiro. Otto Reginaldo foi integrado precocemente nas atividades da Fábrica e lhe coube a administração geral do empreendimento fabril. Paulo deu continuidade aos negócios do pai no comércio.

Carlos Júlio, após servir na Escola Militar do Rio de Janeiro/RJ (chegando a Capitão) e se bacharelar em Ciências Políticas e Jurídicas (Direito), casou com Ester Navarro Lins, filha de Idalina Chaves e de Antônio Wanderley Navarro Lins, primeiro Juiz da comarca de Brusque, desembargador e presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, de 1913 a 1917, e Governador interino de Santa Catarina, de 20 a 24 de junho de 1915. Pelo Partido Republicano Catarinense (PRC), Carlos Júlio foi eleito Deputado ao Congresso Representativo de Santa Catarina (Assembleia Legislativa), e exerceu mandato na 10ª. Legislatura (1916-1918). Também foi Juiz de Direito da Comarca de Cruzeiro (atual Joaçaba) e, de 1927 a 1937, foi Juiz de Direito da Comarca de Brusque.

Luís graduou-se em medicina para atender os operários da Fábrica e os pacientes do Hospital Azambuja. Já Carlos Júnior especializou-se em Mecânica, objetivando dirigir a Fábrica de Cimento na foz do Itajaí.

Vivem os netos Ruth Ivonne Renaux Deeke, filha de Dr. Guilherme Renaux (Willy) e Alma Melcop Renaux e Gerd Albert Walter Gommersbach, filho de Albert Gommersbach e de Selma Renaux Gommersbach.

Retorno à Europa
Nomeado Cônsul pelo presidente da República brasileira, Carlos Renaux se estabeleceu em 1919, em Harnhem (Holanda) e, em março de 1922, muda-se para Baden-Baden (consulado na Alemanha). Retornou ao Brasil em 1932.

Segundo relata a historiadora Maria Luiza Renaux, bisneta do Cônsul, “Carlos Renaux estabelecera-se na Holanda por causa da doença de Hanna (sua segunda esposa que vivera em Brusque de novembro de 1912 a dezembro de 1917) e onde “havia fartura e vivia-se barato” por causa do dinheiro brasileiro valorizado em plena guerra: Rs1$500 por “einen Gulden”. Depois, os impostos muito altos – “aumentavam anualmente” – fez com que se mudasse para Baden-Baden, onde, inclusive, “o clima era melhor para sua saúde”.

Hanna morre em Dezembro de 1919 e Carlos casa-se com a “holandesa de Limburg”. (Fonte: Carta ao amigo “velho e bom”, Dr. Scheffler, Baden-Baden, 10 de Janeiro de 923).

Na Europa, Carlos Renaux e esposa viveram dos juros de 10% sobre as 300 debêntures (ações) da primeira emissão de sua firma.

Consul, a primeira geladeira brasileira
Entusiasta do progresso, retornou ao Brasil e criou a Sociedade Cultural e Beneficente Cônsul Carlos Renaux para financiar projetos que trouxessem benefícios para a comunidade. Dessa fundação veio o dinheiro para que Rudolfo Stutzer montasse a oficina onde acabou sendo produzida a primeira geladeira brasileira, a Consul. No Vale do Itajaí foi o primeiro a importar uma geladeira e um condicionador de ar.

Falecimento
Da Vila Goucky, que dedicara a sua terceira esposa, a consulesa Maria Luiza Auguste Linaerts, Carlos Renaux partiu para a vida eterna às 10h30min de domingo, 28 de janeiro de 1945. O prefeito Rodolfo Gerlach         , que governou Brusque de 15 de fevereiro de 1943 a 31 de outubro de 1945, decretou luto oficial e feriado municipal.

Havia a expectativa de que o Cônsul fosse sepultado no mausoléu onde se encontra sepultada sua terceira esposa, anexo à Vila Goucky. Mas Otto Renaux determinou que o pai fosse sepultado no Cemitério Luterano, ao lado da primeira esposa e mãe de todos os seus filhos, Selma Wagner.

Segundo informação que recebi oralmente do pastor doutor Lindolfo Weingaertner que, com apenas 21 anos e ainda estagiário, presidiu as exéquias do Cônsul Renaux, mais de 10 mil pessoas participaram do velório e do seu sepultamento. Inclusive as mais importantes autoridades estaduais na época: o interventor federal Nereu Ramos e o arcebispo metropolitano Dom Joaquim Domingues de Oliveira, acompanhado do clero católico.

Não havia em Brusque nenhum pastor por ocasião da morte do Cônsul. Segundo declaração do pastor Lindolfo Weingaertner, em entrevista à historiadora Maria Luiza Renaux, os pastores que atuavam em Brusque estavam confinados “em campos de concentração, em Florianópolis”.

Já “os pastores da vizinhança, que não haviam sido presos, eram alemães e não falavam bem o português. Isso era importante, já que viriam autoridades do estado, como o governador”. Sua vinda, a manu militari, para as exéquias, foi assim descrita pelo pastor Lindolfo: “Eles tinham que ter um pastor brasileiro capaz de falar o vernáculo. Então, altas horas da noite (de domingo), vieram me procurar em Ibirama, uma das comunidades de lá. Disseram: “Olha, pastor Lindolfo… nós viemos sequestrá-lo. O senhor tem que nos acompanhar, não há outro jeito. Precisa fazer o sepultamento do Cônsul Carlos Renaux, amanhã”.

Naquela tarde de segunda-feira, 29 de janeiro de 1945, quando a caleça de Rodolfo Pruner passava em frente à Igreja Matriz São Luiz Gonzaga, os sinos do templo católico soaram, emocionando a multidão. Era tão grande o número de pessoas que vieram dar seu último adeus ao Cônsul Renaux, que quando a caleça chegou à Igreja Luterana, a multidão se estendia até a ponte Coronel Vidal Ramos Júnior.

Na homilia, pastor Lindolfo declarou: “Nos despedimos desse honorável e benemérito cidadão e irmão, mas agora está perante Deus, como simples mortal e mendigo, como todos os demais mortais”. Em um dos encontros que eram realizados em sua residência, do Grupo de Estudos Bíblicos, pastor Lindolfo me disse que ficara temeroso com a possível reação da família: “tive um pouco de receio que depois do Culto a família Renaux fosse me dilacerar. Mas o Otto me disse que o que eu tinha dito foi muito direito. Até o próprio arcebispo Dom Joaquim disse que eu estava muito bem. Então eu fiquei aliviado.”

Marcas do Cônsul, após 75 anos
Ainda hoje o Cônsul Renaux é admirado pela sua preocupação social, marcada pelas vultosas doações para obras hospitalares, religiosas, desportivas, educacionais e culturais. Destacam-se a construção do Hospital Arquidiocesano Cônsul Carlos Renaux (ex-Santa Casa de Misericórdia), Maternidade Cônsul Carlos Renaux, Santuário de Azambuja e a reforma da Igreja Luterana no Centro. Denomina o Clube Atlético Carlos Renaux (ex-Sport Club Brusquense), a avenida central de Brusque e o Estádio Cônsul Carlos Renaux, do Clube Esportivo Paysandu. Além de dezenas de outras organizações, uma das principais instituições de ensino, em toda a história de Brusque, também lhe presta homenagem: o Colégio Cônsul Carlos Renaux.