Doenças infecciosas estão em evidência
Os avanços civilizatórios levaram a uma melhoria nas condições de vida da população, entre eles o acesso a água tratada e esgoto sanitário, somados aos significativos progressos da medicina tanto no tratamento como na prevenção de inúmeras doenças infecciosas permitiram que a mortalidade por causa das mesmas caísse de forma importante.
Até antes da atual pandemia de Covid-19, a maioria da população não dava a devida importância às doenças provocadas por microrganismos (vírus, bactérias, fungos).
Tínhamos a falsa impressão que somente as pessoas portadoras de alguma deficiência no seu sistema imunológico estavam em risco de ter complicações em caso de uma infecção.
Isso talvez porque nos últimos 50 anos surgiram dezenas de antimicrobianos e tratamentos biológicos (vacinas, anticorpos) principalmente contra bactérias e vírus, ao mesmo tempo houve um grande avanço nos tratamentos de suporte para pacientes com infecções generalizadas internados em unidades de terapia intensiva.
Já para os pesquisadores e especialistas da área essa tranquilidade aparente nunca existiu, justamente por conhecerem que bactérias resistentes aos antibióticos continuam a aumentar, que não existe tratamento específico contra a maioria dos vírus conhecidos e porque sabem que nos países pobres as doenças infecciosas continuam sendo uma das principais causa de morbilidade (doenças) e mortalidade.
Essa aparente tranquilidade, a sensação de que está tudo sob controle pode também explicar a ausência de medidas preventivas e de tomadas urgentes de decisão em relação à atual pandemia.
Relatórios de especialistas tinham alertado sobre a iminência de uma pandemia tendo como base principalmente as epidemias anteriores de Sars em 2003, de H1N1 em 2009 e Mers em 2012 e de Ebola em 2015.
O livro “Contágio” do jornalista David Quammen, publicado em 2012, descreve com argumentos sólidos que era inevitável o surgimento de uma pandemia e que eram necessárias medidas preventivas que nenhum governo do mundo considerou.
Talvez entender nossa relação íntima com os microrganismos possa esclarecer porque estamos tão expostos a sofrer doenças infecciosas de todo tipo, as doenças infecciosas clássicas continuam a existir (tuberculose, hanseníase, pneumonias, meningites, sida, malária, etc.) e além delas acontecem surtos como o de Zica vírus de 2015, pandemias como a de Covid-19 de 2020 e o surto atual de Dengue que acomete muitos estados no Brasil.
Os microrganismos (bactérias, vírus, fungos, parasitas) são necessários para a vida na terra, são os responsáveis pela reciclagem dos elementos químicos essenciais para todas as formas de vida, entre eles o carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio. Os microrganismos realizam mais fotossíntese do que todas as árvores do planeta, sem eles não estaríamos aqui.
Pouca gente sabe que mais de 50% das células do nosso corpo são micróbios. A bióloga Alanna Collen acredita que esse valor chega a 90%, já que portamos mais de 100 trilhões de micróbios no nosso corpo, a grande maioria no tubo digestivo.
A flora intestinal tem um peso superior a um quilo e um adulto humano excreta o seu próprio peso em bactérias fecais a cada ano.
Até 8% do DNA dos humanos são derivados de fragmentos de genomas virais, isto porque ao longo da evolução sempre houve esse mecanismo de replicação/recombinação entre os vírus e as células humanas.
Cabe aqui fazer um pequeno aparte sobre o uso de antibióticos, eles são necessários e altamente eficazes contra as infecções bacterianas, não tem utilidade contra vírus e fungos.
O uso indiscriminado de antibióticos em pessoas com sintomas de infecção pode ter várias consequências negativas, seja individualmente ou para a coletividade, entre ela podemos citar as alterações da microbiota normal do corpo e a proliferação de bactérias resistentes aos fármacos, toxicidade direta dos antibióticos e o aparecimento de reações alérgicas e de hipersensibilidade a eles.
Por estas razões é necessário que os antibióticos sejam prescritos por um médico, já o profissional de saúde tem a responsabilidade de basear sua prescrição nas evidências clínicas e exames laboratoriais.
Além do atual surto de dengue que tem acometido muitas pessoas no nosso município e provocado óbitos, há outras notícias preocupantes, como a de que a cobertura vacinal contra a poliomielite no Brasil é atualmente de apenas 60% da população alvo. A cobertura no passado já superou 90%. Há, portanto, a possibilidade de um aumento do número de casos de poliomielite, doença que estava praticamente extinta e que provoca sequelas motoras severas nos afetados.
Há também o reaparecimento de casos de sarampo, doença que em 2016 parecia extinta no Brasil, esse ressurgimento tem relação com a diminuição da cobertura vacinal contra o sarampo.
Uma série de fatores está provocando a diminuição da adesão dos brasileiros ao programa nacional de imunizações, entre elas não há como negar a disseminação de fake news por grupos antivacinas.
Enquanto isso os microrganismos não perdoam, estão sempre testando a nossa imunidade tanto individual quanto coletiva.
O ditado popular “é melhor prevenir do que remediar” tem aplicação perfeita quando falamos de doenças e principalmente de doenças infecciosas.