Autismo, inclusão e empatia
M. tem 16 anos, tem diagnóstico de autismo ou para estar de acordo com a terminologia atual é portador de Transtorno de Espectro Autista (TEA), grau moderado.
Uma das suas características é ser muito falante, se você se interessa pela sua conversação já ganhou a sua simpatia, sucede que ele só tem um tema sobre o qual disserta de maneira obsessiva, os Pokémons, assiste seus filmes e vídeos repetidamente, joga somente seus jogos no celular, conhece todos os personagens, suas evoluções, seus poderes e características, pode falar horas a fio sobre o tema sem repetir nenhum assunto.
J.M. que tem a sorte de ter uma mãe muito dedicada (como parecem ser todas as mães de autistas) tem também um irmão mais velho com transtorno de espectro autista leve.
R.P. tem 36 anos, é portador de TEA severo, seu autismo é secundário a uma doença neurológica chamada Esclerose Tuberosa. R.P. é também epiléptico e tem retardo mental severo, faz parte dos quadros graves de autismo, é quase totalmente dependente dos cuidados da sua família, principalmente de sua mãe, que tem feito tudo para que ele leve a melhor vida possível. Está com as crises epilépticas controladas e dificilmente tem crises de agitação psico-motora.
A incidência de TEA vem aumentando na nossa sociedade, em 1960 se estimava um índice de um em 2,5 mil nascimentos, atualmente se considera que é um para cada 88 nascimentos e um estudo mais recente nos Estados Unidos relata um a cada 50 nascidos vivos.
Uma das explicações seria que atualmente é um transtorno mais conhecido e mais facilmente diagnosticado, além das próprias mães estarem melhor informadas também as professoras estão mais atentas na hora de perceber crianças com um comportamento diferente, alertando aos pais essa criança poderá ser avaliada e diagnosticada pelo pediatra.
Existem algumas outras prováveis explicações, uma delas reside no fato que o TEA é mais frequente quando o pai ou a mãe tem mais de 40 anos de idade, isto é válido também para algumas outras doenças que estariam determinadas por mutações genéticas.
Hoje em dia muitos casais optam por começarem a ter filhos após a estabilização da sua vida profissional, consequentemente a média de idade dos pais tem aumentado nas últimas décadas. Um estudo mostrou que pais na faixa dos trinta anos tem quatro vezes mais chances de ter um filho autista do que pais na faixa dos vinte anos.
Há evidências de que existe um forte componente genético como fator etiológico no autismo, porém ainda não foi mapeada essa alteração genômica, a explicação atual é que haveria uma série de pequenas alterações no genoma que, somadas, podem determinar o aparecimento do quadro clínico característico.
Ainda não se conhece se genes ligados ao autismo necessitam gatilhos ambientais para se ativar e tampouco quais seriam esses gatilhos.
Embora seja o psiquiatra suíço Eugen Bleule o primeiro a usar o termo “autismo” para denominar um estado em que o pensamento fica distanciado tanto da lógica quanto da realidade, foi o psiquiatra austríaco Leo Kanner em 1943 o primeiro a identificar o autismo como um distúrbio com suas próprias características.
Basicamente, o cérebro do autista é diferente, há uma menor conectividade entre os dois hemisférios cerebrais e ao mesmo tempo há uma superabundância de conexões locais, parece ser que o fenômeno da poda neuronal que acontece aos 2-3 anos de vida não funcionou da forma adequada nas crianças com TEA. Tem sido relatadas também perdas neuronais no cerebelo, sistema límbico e córtex cerebral de portadores de autismo.
Os portadores de TEA, embora tenham muitas características em comum, têm também graus de comprometimento muito variado em número e intensidade de sintomas.
Essa heterogeneidade parece conspirar com a luta das famílias que tem membros com TEA para que a sociedade como um todo e o poder público adote políticas de inclusão e de atendimento médico, psicológico, fonoaudiológico, pedagógico e fisioterápico, para os portadores de autismo.
As famílias de portadores de autismo têm mostrado um grande ativismo para reivindicar uma maior atenção das autoridades no auxílio ao tratamento e acompanhamento de crianças, adolescentes e adultos com transtorno do espectro autista, quase toda cidade de médio porte ou maior tem uma associação de pais de autistas trabalhando nesse sentido.
Sabe-se que a criança com TEA, quando identificada precocemente e acompanhada por uma equipe multidisciplinar, que trabalhe de preferência de forma integrada, terá menos dificuldade para se adaptar aos desafios, educativos, sociais e culturais que a vida impõe.
Independentemente da defesa ou não da neurodiversidade tão em moda atualmente é necessário que parcerias público-privadas, fundações ou ONGs trabalhem para a implantação de institutos que além de ajudar a formar profissionais capacitados no trabalho com crianças autistas permitam que as mesmas tenham acesso a todas as intervenções terapêuticas necessárias.
A grande maioria de famílias não dispõem de recursos para custear a multiplicidade de terapias necessárias. Esse trabalho especializado facilitaria muito a inclusão e o convívio de pessoas com TEA no ensino regular.
Uma sociedade que não se preocupa em acolher, proteger e conviver em igualdade de condições com aqueles que são diferentes ou são portadores de algum tipo de deficiência está renegando de seu passado.
Dizia a antropóloga Margaret Mead que o primeiro sinal de civilização em restos arqueológicos do homo sapiens foi a descoberta de um fêmur com calo ósseo formado após uma fratura, significa que aquele humano primitivo foi amparado e cuidado pelo seu grupo até a fratura sarar, pela primeira vez não foi deixado para trás onde fatalmente morreria.
Temos a obrigação de fazer uso da empatia cognitiva que é a capacidade de ver o mundo desde a perspectiva dos outros, neste caso específico, da perspectiva dos pais de portadores de autismo.