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As terapias gênicas, presente e futuro

Nos últimos dois anos o medicamento Zolgensma tornou-se conhecido da população devido às campanhas de arrecadação solidárias e aos processos judiciais contra estados ou municípios para que os mesmos adquiram o remédio para pacientes que de ele precisam.

Zolgensma é usado para o tratamento de uma doença neurodegenerativa conhecida como Atrofia Muscular Espinhal (Ame).
Até pouco tempo era considerado o medicamento mais caro do mundo, não é mais, o Libmeldy, usado no tratamento de outra doença degenerativa rara, a Leucodistrofia Metacromática, custa o dobro do preço, beirando os 4 milhões de dólares por dose.

O que muitos desconhecem é que ambos os medicamentos são produtos do desenvolvimento biotecnológico que levou à chamada terapia gênica. Atualmente existem no mercado seis medicamentos desta categoria aprovados por agências reguladoras como FDA e/ou EMA.

Nossas células funcionam seguindo o comando dos genes que fazem parte do nosso DNA, a terapia gênica consiste em introduzir genes funcionais no interior de células com genes defeituosos. Esse conceito de fácil assimilação é na verdade muito difícil de ser colocado em prática e há duas décadas atrás não se dispunha de tecnologia para conseguir essa proeza.

A Atrofia Muscular Espinhal (AME) de tipo 1 é uma doença que se manifesta nos primeiros meses de vida com sintomas de falta de força em todos os grupos musculares, a medida que a doença avança muitas crianças precisam de ventilação mecânica e alimentação por sonda. Esta doença é provocada pela ausência quase total de uma proteína chamada SMN, isto acontece por uma falha genética.

O gene SMN1 é o responsável por instruir o organismo a produzir essa proteína SMN (proteína de sobrevivência do neurônio motor), algumas pessoas sofrem uma mutação nesse gene más como temos duas cópias do mesmo gene, o corpo usa a cópia saudável para produzir a proteína SMN.

Se pai e mãe de uma criança forem portadores de essa mutação, a criança tem 25% de chances de nascer com as duas copias com defeito e portanto apresentar os sintomas de AME, caracterizados por uma fraqueza muscular generalizada.

O medicamento não tem poder curativo mas quando aplicado com os critérios corretos pode ajudar a deter a progressão da doença e ter alguns avanços motores com o tratamento fisioterápico, algumas crianças conseguiram caminhar de forma independente.

Atualmente esse medicamento tem um custo para o SUS de R$ 6,4 milhões, isto porque o governo conseguiu fazer um acordo com o fabricante (Novartis), o custo particular beira os 2 milhões de dólares. Evidentemente com recursos limitados para a saúde o governo tem a necessidade de avaliar o custo-beneficio para a população como um todo.

Desde que o Zolgensma foi aprovado pelo FDA estadunidense, o Ministério da Saúde do Brasil já pagou 765 milhões de reais adquirindo a medicação para 78 pacientes que conseguiram esse direito na justiça.

Esse valor equivale a 4% de todo o que o SUS gastou em medicamentos no ano de 2020. Uma reportagem do jornalista Wanderley Preite Sobrinho mostra que o gasto de um paciente tratado com Zolgensma dá pra tratar 105 mil brasileiros com diabetes ou 4260 portadores de HIV.

Tanto um diabético quanto um portador de HIV sem tratamento estão colocando em risco sua saúde e sua vida assim como acontece com as crianças com AME.

A maioria de doenças raras provocadas por erros no metabolismo celular determinados por alterações genéticas poderão ter sua cura ou seu controle no futuro através de terapias gênicas.

O desenvolvimento destes medicamentos exige um alto investimento e muitas vezes parcerias entre instituições públicas e privadas.

No momento Brasil está fora de esta corrida já que os investimentos em ciência e tecnologia tem diminuído de forma significativa nos últimos anos.

Existem cada vez menos bolsas para mestrados e doutorados, o programa ciência sem fronteiras teve seus recursos reduzidos, este ano o governo já bloqueou R$ 2,5 bilhões do fundo nacional de desenvolvimento científico e tecnológico (56% do total de recursos do fundo).

Os países mais desenvolvidos investem mais do que o 3% do seu PIB em ciência e tecnologia (Suíça, Japão, Alemanha, Áustria e outros), tem um segundo grupo de países que investem entre 2 e 3% do seu PIB e tem excelentes resultados em várias áreas de pesquisas (Estados Unidos, Noruega, China, Holanda, França e outros). Brasil investe 1% do seu PIB em ciência e tecnologia, é pouco.

A pandemia de Covid-19 foi um bom exemplo do valor do investimento em ciência e tecnologia, os países líderes nessas áreas conseguiram produzir vacinas em tempo recorde e até o momento não temos conhecimento em que estágio se encontra a prometida vacina brasileira.

Na corrida para descobrir novas terapias deste tipo largamos com bastante atraso e tudo indica que nas próximas décadas o Brasil continuará a entregar quase 6000 toneladas de soja para receber um vidro de Zolgensma. Parece absurdo mas é a realidade.