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Contra o moralismo e a censura

Mario Quintana escreveu que os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem. Refletindo sobre esse pensamento, são analfabetos também os que enxergam e não querem ver e os que permanecem calados diante das injustiças provocadas pelo moralismo e pela censura.

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Vamos aos fatos:

1. No dicionário etimológico, a moral é “relativa aos costumes”; “conclusão que se tira de uma obra ou de um fato”.

2. No dicionário de filosofia de Nicola Abbagnano, encontramos o seguinte verbete para moralismo – “1. Doutrina que vê na atividade moral a chave para a interpretação de toda a realidade. […] 2. A atitude de quem se compraz em moralizar sobre todas as coisas, sem tentar compreender as situações sobre a qual expressa o juízo moral. Nesse sentido, um formalismo ou conformismo moral que tem pouca substância humana.”

Alguns se utilizam do moralismo religioso, por exemplo, agindo de forma totalmente contrária quando saem das igrejas, pois não praticam princípios religiosos como a fraternidade universal. Outros, do moralismo racial, que incentiva preconceitos e a discriminação étnica e cultural, contribuindo para a manutenção de uma realidade discursiva onde o outro é sempre inferior.

Para o moralismo, a regra é clara: se esse Outro não pensa igual a mim, se diz coisas que não quero ouvir (não gosto de ouvir ou não concordo ouvir), então, desqualifica-se como ser humano perante meus olhos. A questão – advinda de nossa sociedade bélica e em estado de paranoia frequente – é a transformação desse sujeito “outro” em sub-humano que, portanto, merece ser ofendido, machucado, torturado, morto e – se possível – devorado e deletado.

Em “Terra em Transe” (1967) de Glauber Rocha, no país fictício Eldorado, é palco de uma convulsão interna desencadeada pela luta em busca do poder / Foto: Divulgação

Falando especificamente do moralismo religioso, a advogada Flávia Piovesan é esclarecedora ao escrever que “a ordem jurídica em um Estado Democrático de Direito não pode se converter na voz exclusiva da moral de qualquer religião. Os grupos religiosos têm o direito de constituir suas identidades em torno de seus princípios e valores, pois são partes de uma sociedade democrática, mas não têm o direito de pretender hegemonizar a cultura de um Estado constitucionalmente laico. No Estado laico, marcado pela separação entre Estado e religião, todas as religiões merecem igual consideração e profundo respeito”. Isso também vale para a descrença, como o ateísmo por exemplo.

Assim, faz-se necessário respeitar o Outro, pois é na diversidade, seja cultural, de ideias, de pensamentos e na possibilidade do lugar de fala que, mesmo discordando do seu ponto de vista, é que construiremos uma sociedade livre, justa e fraterna, sem deixar de percebermos que manter a diversidade é imprescindível para o futuro da humanidade e para que não corramos o risco de sermos novamente manipulados como massa – como nos prova continuamente a História. É a uniformidade, a igualização e a homogeneização dos indivíduos que facilita o exercício do poder absoluto em vez de impedi-lo.

Moralismo e Censura: será que sofreremos com a “ausência de liberdade”?

O conceito de censura pode ser descrito como o ato ou efeito de censurar por meio de uma severa repreensão. Ainda podemos dizer que é uma palavra com origem no latim censura que significa o ato ou efeito de censurar. Também pode ser sinônimo de repreensão ou reprimenda. Além disso, a censura é uma conhecida forma de restrição da liberdade e do conhecimento, normalmente exercida por um regime ditatorial.

Por sua vez, o direito pátrio veda a censura, nos termos do disposto no parágrafo 2º, do artigo 220, da Constituição Federal, quando afirma que “é vedada toda e qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística”.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso IV, garante a “livre manifestação do pensamento”, que para José Afonso da Silva, jurista-constitucionalista, “é o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pense em Ciência, Religião, Arte, ou o que for”.

Na música “Apesar de você” (1978) de Chico Buarque, a provocação é clara: “Apesar de você / Amanhã há de ser / Outro dia / Eu pergunto a você / Onde vai se esconder / Da enorme euforia / Como vai proibir / Quando o galo insistir / Em cantar / Água nova brotando / E a gente se amando / Sem parar” / Foto: Divulgação

Pois na “Declaração Dignitatis Humanae sobre a Liberdade Religiosa”, assinada pelo Papa Paulo VI, no item “Os limites da liberdade religiosa”, ensina-se que:

É no seio da sociedade humana que se exerce o direito à liberdade em matéria religiosa; por isso, este exercício está sujeito a certas normas reguladoras. No uso de qualquer liberdade deve respeitar-se o princípio moral da responsabilidade pessoal e social: cada homem e cada grupo social estão moralmente obrigados, no exercício dos próprios direitos, a ter em conta os direitos alheios e os seus próprios deveres para com os outros e o bem comum. Com todos se deve proceder com justiça e bondade.

A Campanha da Fraternidade de 2009 teve como tema: “Fraternidade e segurança pública” porque as preocupações da CNBB, além da insegurança, eram que as convivências entre as pessoas se tornavam cada vez mais difíceis e delicadas – negando a crença na força transformadora do Evangelho pela promoção de uma cultura de paz em busca de uma sociedade mais justa e solidária. Passaram-se nove anos, mas parece-me que ainda é necessário grande esforço na promoção da cultura da paz nos indivíduos, famílias, comunidades e sociedades moralistas.

No “Texto-Base”, especificamente no título “Cultura da paz”, extrai-se importantes lições para o nosso agir, vejamos:

“Em tempos de medo, nos quais a violência e a insegurança crescem cada vez mais, as posturas de vingança e de guerra tornam-se fundamento de justiça e o ódio torna-se uma das marcas fundamentais diante dos problemas, o Evangelho nos convida a pensar e agir de forma diferente”.

E ainda que:

“Um dos critérios fundamentais para a construção da paz e para se atingir a segurança é a não-violência. Esta, porém, não pode ser entendida como omissão ou não ação. Não-violência não significa passividade diante das agressões ou injustiças sofridas. Significa não pagar com a mesma moeda, mas agir a partir de outros critérios, como recusa na participação em atividades não construtivas, desobediência cívica, greves pacíficas, passeatas, protestos pacíficos, etc. A não-violência é um dos meios mais importantes à disposição de todos para quebrar a cultura da guerra, da vingança e do ódio, substituindo-as pela tolerância, pelo diálogo e pela misericórdia como caminhos para superação de todas as formas de conflito”.

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Portanto, não preciso concordar com outros pontos de vistas, posso discordar verbalizando, escrevendo, posso protestar, realizar passeatas e tudo mais, porém, sem ofender, distratar, agredir verbal, psicológica e fisicamente. Não posso ofender o direito de terceiros. Direitos fundamentais esses tão importantes quanto o meu direito de discordar e de expressar as minhas discordâncias em relação ao Outro.

Thích Quảng Ðức foi um monge que, durante uma manifestação contra a política religiosa do governo de Ngo Dinh Diem, ateou fogo em seu próprio corpo em um processo de autoimolação (1963) / Foto: Divulgação

Na democracia é muito possível proporcionar uma vida digna a todos sem se submeter a uma ditadura. Para o Juiz de Direito do TJ/RJ, Rubens R. R. Casara, “no Estado Democrático de Direito busca-se limitar o espaço de arbítrio e opressão, em especial em razão da incidência do princípio da legalidade estrita”.

O filósofo Aristóteles escreveu que, “ninguém pode bastar-se a si mesmo, a menos que seja um deus ou um bruto”. Por não podemos nos bastar a nós mesmos que gritamos “Basta!” para essas formas obtusas e opressoras de relacionamentos unilaterais. No campo social, o direito à liberdade de vida deve vir antes do direito à agressão – seja ela verbal, psíquica, física ou simbólica.