Se for acertada a premissa de que é a universidade, ou o que se costuma chamar de “meio acadêmico”, o lugar por excelência de produção do conhecimento, é preciso indagar sobre os poderes que, de fato, são concedidos, outorgados e legitimados para aqueles que obtêm o conhecimento por esta via considerada como oficial.

Por certo há um reducionismo em restringir o conhecimento à universidade, afinal, o conhecimento é mambembe e, definitivamente, está mais no interesse dos olhos de quem quer conhecer do que em um lugar que se pretenda ser seu reduto oficial.

Mesmo assim, esse consciente reducionismo tem como objetivo criticar a relação de importância que o poder estatal dá às universidades, que são as instituições legitimamente reconhecidas pelo Estado para propagar, formar e difundir o conhecimento. Por outro lado, o slogan “EDUCAÇÃO É A SOLUÇÃO” recebe uma aderência quase completa, mesmo entre os extremos de nossa política cada vez mais bipolar, termo aqui usado ironicamente como adjetivo psicopatológico.

Em época de eleição, não há candidato que diga abertamente: “educação não é prioridade no meu programa de governo”. Esse consenso mesmo entre polos ideológicos rotularmente antiéticos, convive com a contradição das práticas em torno da educação e da natural autoridade que se deveria conceder a ela.

Ainda que o slogan garrafal seja assumido como necessidade e assuma status de verdade por quase todos, poucos são capazes de dar ouvidos àquilo que diz a academia e o saber universitário, especialmente em relação às ciências humanas, que convivem com a dificuldade natural de não deter – como as engenharias, por exemplo – a prova fática ou matemática da eficiência de suas pesquisas e inovações.

É preciso que se (re)pense reformas no sistema educacional brasileiro, dentro e fora do reduto escolar e acadêmico / Foto: Divulgação

Faço questão de dar dois exemplos desse fenômeno que acabo de destacar. O Prof. Maurício Dieter da USP, autoridade acadêmica de temas como a corrupção e o sistema penal, por ocasião da Consulta Pública do Senado sobre alteração do Código de Processo Penal para possibilitar a prisão em segunda instância, afirmou que endurecer as penas não é uma ação eficiente do Estado no combate à corrupção. E precisamente aqui reside a contradição, pois mesmo quem adere ao slogan “EDUCAÇÃO É A SOLUÇÃO”, nega a conclusão do pesquisador, sendo os casos mais infames e cegos, entre nós, o dos eleitores de Bolsonaro.

Outra contradição aberrante é aderir ao slogan de apoio à educação e subscrever candidatos que tenham consentido com a PEC 241, que limita o teto dos gastos públicos, inclusive com… educação, por 20 longos anos. De se dizer que essa foi a posição publicamente adotada por Bolsonaro.

Se essas contradições já são estarrecedoras, analisar outros fenômenos da educação brasileira são ainda mais broxantes. Isso porque se o conhecimento, como produto da educação de qualidade de escolas e universidades, é facilmente desprezado, a falta de incentivo para trabalhar com educação no Brasil é uma piada ruim, daquelas que os tios mais velhos contam depois de um almoço de família.

No meio universitário privado brasileiro um curioso fenômeno acontece. Um professor que titule-se como doutor, por exemplo, em determinadas ocasiões de “mercado”, corre mais risco de ser demitido do que um professor com titulação inferior. Isso porque, na medida em que o valor da hora-aula de um professor com titulação maior aumenta, torna-se mais lucrativo para a empresa de educação manter aqueles que custam menos e que são, em tese, menos qualificados.

Abordando corpos dóceis, o filósofo francês Michel Foucault já alertava sobre as semelhanças entre escolas, presídios e manicômios / Foto: Divulgação

Além desse, outro fenômeno da burrice brasileira com a educação é o do deságio de nossa intelectualidade. O amigo e Dr. Vinicius Rosa, referência internacional em pesquisas de células tronco para implantes dentários, em que pese ter tido toda formação no Brasil, da graduação ao doutorado, trabalha hoje na Universidade Nacional de Singapura. Ainda que o governo brasileiro tenha custeado seu mestrado e doutorado, a “cabeça-de-obra” de Vinícius está à disposição de outro país.

Investimos 11 anos em professores para preparar o Doutor Vinícius e no próprio Vinícius (pagando bolsas de estudo, pesquisas e viagens) para, no fim, perdermos ele para Singapura, que hoje paga, apenas de bônus por publicações, o valor anual de R$ 180 mil para ele. No Brasil, além de não se ganhar absolutamente nada para publicar pesquisas, em geral, é necessário pagar publicações com favores ou dinheiro. Nem precisamos citar o salário dos professores, que dispensa qualquer comentário mais exaustivo.

No Brasil, conhecimento não é poder. Não é poder de compra. Não é poder de ser ouvido. Não é poder de ser levado a sério por quem, geralmente, não conhece aquilo que foi conhecido por quem, por anos e anos a fio, estudou, pesquisou, leu, meditou, escreveu e concluiu. No Brasil, conhecimento é ferramenta aleatória de disputas por poder. Que se salve quem souber melhor.