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Hobbies, projetos, discrição, futuro e Bruscão: Wallace abre o jogo

Zagueiro e capitão do Brusque aborda desde seus hobbies pouco comuns a um jogador de futebol até o momento do clube

Após passar parte significativa de sua carreira em clubes como Corinthians e Flamengo, o zagueiro Wallace chegou ao Brusque com o objetivo de ser o capitão de um título catarinense, mas hoje enfrenta também uma árdua luta pela permanência na Série B do Campeonato Brasileiro. Extracampo, o jogador de 34 anos é conhecido, desde o início da carreira, pelos hábitos da leitura e pelo gosto por podcasts e xadrez, incomuns ao meio do futebol.

Outro hábito, mas que foi sendo deixado de lado no decorrer da carreira, foi o de se posicionar publicamente sobre futebol e outros assuntos. Sob o manto quadricolor, Wallace já foi cobrado pela torcida e pela imprensa para ser a voz do elenco em momentos de crise. Além de algumas raras entrevistas à beira do campo, esteve presente na coletiva de imprensa de 27 de agosto para dar respaldo ao então técnico do clube, Luan Carlos, mas a frequência de suas aparições não é a mesma de outros momentos.

Com 36 jogos pelo Brusque, sendo 20 pela Série B, o zagueiro tem se destacado nos números, até mesmo marcando dois gols, contra Operário e Grêmio. Apesar do mau momento do clube, Wallace integra uma defesa que tem sofrido poucos gols: 25 em 27 jogos; 17 em 20 partidas quando estava sob o comando de Luan carlos.

Em entrevista concedida a O Município em 24 de agosto, Wallace conversou sobre leitura, podcasts, xadrez, projetos sociais, exposição, futuro e, claro, também sobre o Brusque.

Foto: Jefferson Alves/Brusque FC

Leitura, podcast e xadrez

Wallace foi muito estimulado pelo pai a estudar, e comenta que seus treinadores nas categorias de base foram, além de treinadores, educadores. Com 12 anos, chegou ao Vitória. “Meu pai fez um acordo comigo: para que eu pudesse ficar no clube, eu teria que passar de ano. Se eu tivesse alguma reprovação, teria que voltar para casa.”

Quando tinha 15 anos, o zagueiro viu uma biblioteca ser aberta dentro do alojamento das categorias de base. “Por meio de doações, devia ter mil livros ali, e jogos de tabuleiro. E foi naquele momento em que aprendi a jogar xadrez. Boa parte do tempo era ocioso. A gente estudava de manhã, treinava à tarde. À noite, sem ter o que fazer, eu ficava ali dentro.”

O xadrez foi ensinado pelo psicólogo do clube. Wallace se apaixonou pelo jogo, e estimulava colegas de time para disputar partidas. “Minha turma, minha geração, o pessoal da minha idade, quase todo mundo aprendeu a jogar xadrez, para competir um com o outro.” Entre seus principais adversários no tabuleiro ao longo da carreira, ele elenca Paulo André, Ramon Menezes, Fábio Santos e Anderson Martins, entre outros. Em Brusque, está à procura de duelos.

O hábito da leitura foi consolidado quando ele ganhou, de um colega, o livro “O Homem que Matou Getúlio Vargas”, de Jô Soares. “Eu li esse livro e fiquei apaixonado pela história, por como o Jô contava a história, como ele narrava. E assim fui desenvolvendo o hábito da leitura e tendo o gosto. Desde então, nunca mais parei.”

Durante a entrevista, Wallace tirou da mochila um dos livros que estava lendo: uma biografia de George Orwell, seu escritor preferido. E afirma que seu gosto não se resume a um gênero ou tema específico. Lê de acordo com o que está interessado no momento, do romance à filosofia.

Por cerca de um ano, bem antes de chegar ao Brusque, o jogador mantinha o blog Wallace Leu, com resenhas e recomendações de livros. Foram feitas cerca de 20 indicações, mas após uma queda do domínio online, a opção foi por não continuar. O motivo era as reações negativas de parte do público, que misturava a crítica em campo com as atividades alheias ao futebol.

“O público do futebol não consegue dissociar o atleta pessoa física da pessoa jurídica. É muito complicado você falar sobre livros no esporte, porque infelizmente a gente ainda tem uma sociedade um tanto ignorante”, comenta.

“Muitas vezes eu fui muito mais criticado por ler do que pelo meu desempenho em campo. Na época, eu era mais jovem, também era mais imaturo, me importava demais com as opiniões alheias. E aquilo foi criando uma certa repulsa em me expor.

Entusiasta do rádio e de podcasts (vários anos antes de o podcast ser popular como é), Wallace chegou a produzir três edições de um podcast em 2014, gravado por Skype, falando sobre diversos aspectos do futebol. Contudo, pelos mesmos motivos, logo deixou a ideia de lado.

Há uma contradição do futebol, em que eles pedem tanto que o jogador fale diferente, mas quando o atleta se posiciona, recebe uma enxurrada de críticas. Essa contradição faz parte do jogo. Eu acredito, hoje, que o atleta tem que ser até inacessível. Lá atrás, eu achava que o atleta tinha que compartilhar coisas que ele tinha em sua vida para o público.”

O zagueiro é o capitão do Brusque desde o início da temporada | Foto: Jefferson Alves/Brusque FC

Falando menos

Com o decorrer da carreira, Wallace passou a se expor menos e a se expressar publicamente na imprensa com uma frequência menor. A causa era a sensação de que, ao fazer isto, estava mais prejudicando a si próprio do que ajudando a defender suas visões e causas.

Quem fala muito, erra muito, quem fala pouco, erra pouco, e quem não fala, não erra. Eu falava de forma exacerbada muitas vezes. Sempre foi da minha personalidade, do meu caráter, que, até como capitão, jamais queria me omitir. E o atleta de futebol geralmente gosta de aparecer nos momentos bons. Eu sempre apareci nos momentos ruins. Então, quando você começa a aparecer nos momentos ruins, tem essa questão associativa que vai rotular a minha imagem com a derrota o tempo todo.”

Hoje acho que preciso também preservar, até pela questão da minha saúde, da minha psiquê, porque o futebol traz um estresse absurdo. Mas eu acho que hoje eu consigo selecionar melhor as coisas, o que vou falar, com quem vou falar. Mais do que a quantidade, a qualidade. Para o público que consegue me compreender. E dentro disso a gente aprende também que tem pessoas que não querem compreender”, completa.

Wallace comemora gol sobre o Operário-PR | Foto: Marcio Costódio/O Município

Brusque

Wallace se diz frustrado pela atual situação do Brusque na Série B. Para o capitão, o clube perdeu uma oportunidade de subir para a Série A ao perder tempo com diversas questões e decisões, mas sem conseguir especificar quais. Um pecado da equipe citado pelo jogador foi perder algumas oportunidades de vitória na competição.

O Brusque perdeu, talvez, a grande oportunidade de subir para a Série A. E nisso eu não estou sendo demagogo. Falo baseado em tudo que eu assisto de futebol. O que eu vejo, e das equipes que enfrentamos, das equipes que vejo jogando.”

O zagueiro não poupa elogios ao elenco, que lhe dava a sensação de que faria muito mais do que vem fazendo na Série B. “Se você me perguntar, o sentimento, sinceramente, é de frustração. Porque eu entrei num Campeonato Brasileiro nesse ano com plena convicção que a gente subiria. Pelo elenco formado, pelo trabalho feito, pelo time, pelo ambiente em que estava, por como as coisas estavam. Eu falo porque, em outros momentos em que venci, o ambiente era muito parecido. Isto vai te dando um senso, um sinal.”

Após passagens por Vitória, Corinthians, Flamengo, Grêmio, Gaziantepspor-TUR e Göztepe-TUR, o elenco do Brusque de 2022 é o preferido de Wallace. Em outros clubes foram cultivadas amizades duradouras pelo longo tempo no clube, mas o quadricolor é especial para o zagueiro.

“Eu até falo isso algumas vezes, o grupo que eu mais gostei de participar na minha vida foi o do Brusque. Eu participei de muitas equipes em que que eu aprendi muito. Por exemplo, eu tive a oportunidade de jogar com um cara que era meu ídolo: Ronaldo. Com o Roberto Carlos. Isso é muito legal. É muito legal. Mas estou falando de relações. Eram diferentes.”

“Hoje eu posso chegar falar que o este elenco talvez seja o mais inteligente com que eu já trabalhei ao longo da minha carreira. De chegar dentro de um vestiário e as conversas serem extremamente interessantes. Porque há discussão de tudo, exceto daquilo que se discutia nos outros grupos, que eram discussões fúteis. Então aqui a gente discute sobre família, comportamento, educação, sobre como o futebol está, para onde ele está indo. A gente discute sobre questão política. E todo mundo se respeita.”

Wallace e o ex-técnico do Brusque, Luan Carlos | Foto: Jefferson Alves/Brusque FC

Recentemente, um dos momentos mais comentados do Brusque foi a comemoração do técnico Luan Carlos no gol de Rodolfo Potiguar, que deu a vitória à equipe diante da Ponte Preta. O então treinador do Brusque foi abraçar o goleiro Jordan, e logo depois, Wallace o manda embora do campo.

“Talvez tenha sido a oportunidade da vida dele. Quando a gente é muito apaixonado pelas coisas a que a gente se propõe a fazer, às vezes tem esse tipo de comportamento. Mas a minha ação foi tentar justamente que ele não fosse expulso. Mas, infelizmente, foi. Fui tentar ajudar, mas é natural que, dentro da paixão que o futebol lhe causa, você tenha este tipo de atitude. Talvez por isso que o futebol seja tão especial.”

Wallace também considera a relação com o ex-técnico do Brusque como tranquila e de muito respeito, sem diferenças em relação a outros treinadores que já teve na carreira.

Comemoração do gol marcado contra o Grêmio: 1 a 1 no Augusto Bauer | Foto: Marcio Costódio/O Município

Projetos sociais

Por cerca de dois anos, Wallace manteve um projeto de incentivo à leitura em uma escola de Duque de Caxias (RJ). O zagueiro arrecadava livros e montou uma biblioteca. Também fez algumas visitas à escola.

Outro projeto social foi realizado em Salvador, dando aula de futebol para cerca de 65 crianças, em 2011. “A gente colocava lá que o atleta tinha que ler um livro por mês. Eles faziam um resumo do que entendiam e me entregavam um texto.”

Wallace também quis dar aulas de xadrez aos jogadores das categorias de base do Brusque, mas não conseguiu por falta de tempo. O atleta pretende retomar seus projetos pessoais quando conseguir conciliá-los com a profissão e os estudos próprios, e estima que possa fazer isto já em 2023.

Wallace conversa com o novo técnico, Gilson Kleina na sexta-feira, 2 | Foto: Jefferson Alves/Brusque FC

Futuro

O capitão do Brusque cogita pendurar as chuteiras dentro de três anos, mas o futebol está em seu futuro. Os estudos para se tornar treinador já estão sendo feitos, mas há hipóteses de se enveredar por outras funções de gestão no futebol. Além de cursos da CBF, o zagueiro também faz faculdade de administração.

“Mas não é como se eu parasse e logo já assumisse [como treinador em algum clube], nada disso. Eu quero me preparar e me preparar, passar por um processo de ‘desintoxicação’. O futebol te deixa viciado em algumas coisas. Ainda mais quando você para e assume ainda com você aquela conduta de atleta. E a gente precisa ter esse afastamento. Pra que você mude a abordagem com o atleta. A forma de se comunicar é outra, eu acredito que tem que haver, sim, um distanciamento.”


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