Alma Mole
Li nesses dias uma das
melhores frases que já vi nos últimos tempos. Trata-se de uma paródia de um
conhecido ditado: “Alma mole em vida dura, tanto bate até que cura”. Há uma lei
que rege a vida, segundo a qual a moleza e a facilidade nunca devem ser
procuradas como um fim. Algo na nossa natureza exige que estejamos o tempo todo
(ou quase) com algum desafio para resolver. Um leão pode dormir vinte horas por
dia quando tem alimento à disposição, pois não precisa se preocupar com
predadores, e continuará sendo o leão de sempre. Mas os humanos não podem se
dar a esse luxo. Sempre que “amolecemos”, regredimos. Mas a vida tem seu método
de tentar corrigir-nos e a dor é parte integrante dessa estratégia. Ninguém
está livre dela. O sofrimento, em maior ou menor grau, é parte integrante da
vida de todos nós. Através dele temos a chance de rever o curso da vida,
aprender e curar nossas mazelas. Quem compreende essa lei e não tenta burlá-la,
encara a vida como um trabalho contínuo. A aceitação e o empenho diante das
dificuldades fazem com que elas sejam superadas com menos trauma, pois, nesse
processo, a pessoa mantém sua alma em forma, do mesmo modo como os exercícios
físicos fortalecem o corpo. Não precisamos procurar sofrimentos e dificuldades.
Basta que encaremos aqueles que são colocados diante de nós a cada dia e
sejamos honestos no seu enfrentamento. Desde levantar da cama quando toca o
despertador até retornar para ela para o merecido descanso, precisamos
exercitar o domínio dessa tendência tão conhecida, que nos leva à acomodação.
Isaac Newton descobriu-a na natureza em geral, e chamou-a de “lei da inércia”:
“um corpo tende a se manter em repouso ou em movimento retilíneo uniforme, se
uma força não for exercida sobre ele”. Quando esse corpo é o nosso, essa força
precisa vir de dentro, para acelerar o nosso movimento. Quando isso não
acontece, a dureza da vida se encarrega de nos empurrar.
Sobre isso, são emblemáticas
as palavras do escritor libanês Khalil Gibran em “O Profeta”. Falando sobre a
dor ele afirma: “Se vós fôsseis capazes de manter vosso coração em admiração,
pelos milagres diários da vida, vossa dor não pareceria menos maravilhosa do
que vosso regozijo”. E ainda: “Muito de vossa dor é escolha própria. É a poção
amarga com a qual o médico dentro de vós cura vosso eu adoecido”.
Muitos enfrentam dificuldades
terríveis, mas arrisco-me a dizer que a maioria das nossas reclamações se refere
a coisas relativamente simples e pequenas. Se elas parecem se agigantar diante
de nós é porque não treinamos o enfrentamento desde cedo, talvez porque
tenhamos o caminho indevidamente amaciado e alisado por quem deveria nos
ensinar a caminhar em meio a pedras. E talvez tenhamos que bater muito ainda na
dureza da vida, para que nossa alma mole acorde e se cure.
Quem quer fazer da vida um eterno parque de
diversões corre o risco de se esfacelar na montanha de pedra, porque não
enfrentou a dose diária de subida que permitiria escalá-la e admirar a paisagem
lá de cima.