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A dor do Reino

O título do artigo de hoje é tirado de uma canção do Padre Zezinho. Ela fala do Reino de Deus, ao dizer que fazer parte desse Reino é doloroso, e só sente essa dor quem realmente se compromete. Podemos abstrair a parte religiosa da ideia e pensar esse “Reino” também em relação ao nosso país, ou aos ideais com os quais sonhamos. Atingir um ideal ou se aproximar ao máximo dele requer compromisso, e todo compromisso exige renúncias. Dizer sim a algo é dizer não a tudo o que é contrário a esse algo, e é aí que mora o problema.
Se analisarmos as pessoas que admiramos pelos seus feitos, pelas metas que atingiram, veremos o quanto as palavras “compromisso” e “renúncia” se fizeram presentes em suas vidas. Quem apenas se deslumbrou por um ideal bonito, mas não abriu mão das facilidades teve carreira efêmera ou trocou os pés pelas mãos em algum momento da realização do sonho.
Toda vez que o despertador toca nessas manhãs geladas, sentimos a dor dos nossos compromissos, enquanto os cobertores convidam a mandá-los às favas. Em todo o resto, a regra é a mesma. Só levamos adiante um projeto se encaramos diariamente os desafios que ele nos impõe. Por isso tantas dietas começam na segunda e naufragam na terça, ou a empolgação da faculdade se perde logo nos primeiros meses, enquanto uma carreira que poderia ser brilhante se ajusta a qualquer outra coisa “mais ou menos”, porque se tornar competente dá muito trabalho.
Conformarmo-nos com pouco ou pensamos que não adianta se esforçar porque o mundo é injusto, o país é corrupto, ou qualquer outra desculpa esfarrapada. Mas aqui a ideia de “Reino” pode nos servir de guia. Quando Jesus afirmou que o Reino de Deus já estava no nosso meio, não quis dizer, obviamente, que os problemas do mundo haviam desaparecido. O Reino é algo que acontece dentro de cada pessoa, e quanto mais pessoas viverem o espírito desse Reino, mais ele se disseminará, e mais o mundo será transformado.
No âmbito estritamente político, podemos ser cidadãos de um país ético, bem educado e evoluído. Basta que cada um construa esses valores no seu interior. Se somos concidadãos de Lula, Zé Dirceu, Renan Calheiros e Sarney, também nascemos no mesmo país do Barão de Mauá, Rui Barbosa, Joaquim Nabuco e Irmã Dulce. Basta escolhermos os exemplos que queremos seguir.
Se optarmos por estes últimos, nossa escolha nos levará a enfrentar os desafios que eles enfrentaram, a começar pelo empenho que tiveram que demonstrar para vencer seus próprios defeitos e aprimorar suas qualidades. Mesmo um gênio como Rui Barbosa precisou encarar a gramática e ler muito para se aprimorar. Poderia ter se conformado com muito menos.
Estamos desacostumados a renúncias e sacrifícios. O espírito do nosso tempo ensina a “aproveitar a vida”, mas não alerta para as consequências. Como não existe evolução sem dor e renúncia, preocupa-me o tipo de “reino’ que estamos criando para o futuro.