A eleição para presidente do Brasil, em 2018, deixa uma série de reflexões sobre a democracia, instituições e “habitus” da classe média brasileira. Uma nova forma de se fazer política, muito mais atrelada à midiatização da sociedade do que à consciência histórica emergiu nesse pleito eleitoral.

A mídia tradicional (rádio, jornal e televisão) tentou, atabalhoada, seguir o fluxo confuso de conteúdos – verdadeiros e falsos – que circulavam, sobretudo, nos celulares dos brasileiros.

Bem como, a propaganda política obrigatória na televisão, outrora influente na decisão do voto, mostrou-se ineficaz. O candidato Jair Bolsonaro, que parecia, há poucos anos atrás, um fenômeno de redes sociais restrito às bolhas on line, se elege presidente do Brasil.

Em eleições anteriores, os meios de comunicação tradicionais e o debate político pautaram o clima eleitoral. O que não aconteceu nesse ano, por conta, principalmente, da polarização ideológica acirrada e da midiatização da sociedade, ou seja, os eleitores, munidos de aparelhos celulares, compartilham conteúdos (textos, fotos e vídeos) que condizem, sobretudo, com a sua própria verdade.

Como apontou Eliane Brum (2018), essa eleição foi marcada pela “autoverdade”, isto é, cada indivíduo defende cegamente a sua “verdade” política, que nem sempre condiz com a realidade ou com os fatos. A “autoverdade” manifesta-se não mais no campo da política tradicional, no campo das ideias e das propostas, como os antigos gregos a concebiam, mas, sobretudo, no ambiente on line, na necessidade de se dizer algo sobre todas as coisas.

IA jornalista Eliane Brum destacou a palavra “autoverdade” como termo-chave das eleições brasileiras de 2018 / Foto: Divulgação

A constrangedora ausência do candidato Bolsonaro nos debates televisivos é sintomática dessa nova ordem eleitoral. Não há mais debate. O que existe são gritantes murmúrios de uma população vidrada e “politizada” em pequenas telas. Conforme Brum, a estética da política on line substitui a ética.

A classe média brasileira, que sempre tendeu ao conservadorismo e à manutenção da propriedade privada, embarcou nessa estética. O PT, que possui um histórico de política que se faz no campo off line, isto é, em sindicatos, universidades e fábricas, não se encontrou nessa eleição.

Sem esquecer, ainda, do explícito antipetismo que pautou essa eleição. A imagem de Lula, ainda o referencial da esquerda brasileira, é mais identificada pelas classes mais pobres. A imagem de Bolsonaro, por outro lado, está conectada com a classe média, que quer ascender socialmente. Tanto que a tendência, no novo governo, é o foco na Economia e não mais no Social, como foi nos governos petistas.

Voltando à estética. A propaganda de Bolsonaro, compartilhada massivamente no aplicativo Whatsapp, tem muito da linguagem do YouTube: algo improvisado, caseiro e nada sofisticado. Os eleitores do Bolsonaro, na sua maioria homens e jovens, viram nessa estética ou “verdade” um personagem sincero, gente como a gente, que faz “live” na churrasqueira ou prepara o café da manhã na pia.

O mercado dos marqueteiros é desmontado aqui, onde a superprodução eleitoral é substituída pela preocupação com o parecer simples, cotidiano. Não à toa, os próprios filhos do candidato Jair Bolsonaro foram os “produtores” de conteúdo da campanha. Essa estratégia de militância midiática foi adotada, em 2016, pelo então candidato Donal Trump, nos Estados Unidos.

A imagem do presidente “histórico”, republicano, democrata, que, desde a redemocratização, pode ser personificada em Fernando Henrique Cardoso e nos presidentes petistas que se seguiram, se torna, a partir de Bolsonaro, embaçada, imprecisa.

Resta saber como essa imagem midiática se comportará, daqui para frente, na vida real dos brasileiros.