“Lembre-se que tempo é dinheiro. Para aquele que pode ganhar dez shillings por dia pelo seu trabalho e vai passear ou fica ocioso metade do dia, apesar de não gastar mais que seis pence em sua vadiagem ou diversão, não deve ser computada apenas essa despesa;
ele gastou, ou melhor, jogou fora, mais cinco shillings”
Max Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, p. 44.

O utilitarismo exposto nesta passagem formulada por Benjamin Franklin demonstra uma forma de comportamento muito comum em nossos dias: a busca pelos bens, dinheiro e poder não cessariam, mesmo que em nossas contas bancárias tivéssemos mais dígitos que o número de nossos telefones.

Existe uma ética de vida por trás de todo sistema capitalista em que estamos inseridos, que segundo o pensador do século XIX, Max Weber, teria total vinculação com uma ética surgida dos monges no interior dos mosteiros. E os monges, por sua vez, teriam sido influenciados pelas traduções de filósofos muçulmanos entre os séculos VI e XII (de obras dos antigos pensadores gregos clássicos, como Parmênides, Platão e Aristóteles).

Platão fora influenciado pela escola de Parmênides, a qual pensava as coisas num sentido cosmológico, como sendo eternas e universais. Ou seja, existem leis universais para além de nossa realidade visível, que poderá ser alcançada por meio da razão, por meio do raciocínio rigoroso. Esta ideia que permitiu a linguagem lógica desenvolvida por Aristóteles e mais tarde utilizada por figuras importantes como Newton e Darwin, que cai facilmente no Determinismo e em absurdos como a eugenia.

O princípio da lógica obedece algumas leis, dentre elas: o princípio da Identidade, que dirá que algo é; o princípio da Não Contradição, que revela que se algo é, não pode não ser; e o princípio do Terceiro-excluído, em que não existe uma terceira possibilidade além das duas já apontadas. Existe uma Verdade, e para alcançá-la é necessário o correto pensar a partir, basicamente, das regras acima citadas. No entanto, olhando para o mundo fático, o mundo onde as coisas acontecem, de imediato constata-se que a igualdade é um dado inexistente; não existe nenhum dado na natureza que sustente essa ideia homogenizadora, pasteurizante, quiçá entre pessoas, dotadas de pulsões, desejos, humores.

Criado em 1883, por Carlo Collodi, Pinóquio é um menino-boneco que sofre as consequências das verdades únicas e absolutas em um mundo onde é proibido mentir / Foto: Divulgação

Contextualizando para nossos dias, temos uma sociedade extremamente avançada tecnologicamente e um verdadeiro caos social, pois não conseguimos lidar com as diferenças, com o canhoto, com o negro competente, com a mulher capaz, com a derrota, com a morte.

A linguagem lógica nos impossibilita de lidarmos com a mudança inerente à vida. Não nos permite, por exemplo, entender a valorização que o grego antigo dava ao ócio contemplativo, julgando uma perda de tempo. E o tempo será nosso objeto de análise daqui em diante.

Em meados do século XIX, nasce um personagem peculiar chamado Winslow Taylor, engenheiro criador do Método Científico de Administração, o taylorismo. Dentre outros objetivos, essa conduta de pensamento visava a máxima produtividade no menor tempo possível pelo trabalhador, vigiando os gestos mais minuciosos da classe proletária. Aqueles que seguissem seus métodos científicos eram recompensados por bonificações e pela produção. Taylor fora criado em uma família abastada e puritana, uma das formas mais fervorosas de protestantismo, que, acima de tudo, pregava o constante aperfeiçoamento, o árduo trabalho, a frugalidade para alcançar a graça de Deus nesta vida.

No fundo, seu apreço pela melhoria de práticas operárias não era tanto pelo lucro, mas pela certeza de estar no caminho da certitudo salutis (certeza na salvação) proposta por Tomás de Aquino; ou ainda, a vida engajada no pleno desabrochar dos talentos de Aristóteles, que acreditava num Universo finito e ordenado, e viver conforme o desenvolvimento dos próprios talentos é estar alinhado com o Cosmos.

A motivação de vida do sujeito ou do trabalhador nunca parte de si, sempre por algo “fora”, de “cima”, algo acima do corpo, mais especificamente pelo correto pensar, pela razão adequada, pela lógica aristotélica. Na história do pensamento, aquilo que faz referência às sensações, corpo, emoção, sempre foram vistos como menos importante.

Em outras palavras, a história do conhecimento, a história da produção de saberes, a história da ciência como fronteira final da verdade, tem sua origem numa forma aristocrática de vida, que parte de premissas extremamente hierárquicas entre as pessoas, onde, basicamente, existem aqueles que mandam porque têm talentos naturais ou porque dominam o correto pensar e outros nem tanto, e, portanto, devem obedecer ou serem excluídos da equação. Ou você é trabalhador e faz por merecer ou é vagabundo e tem que penar neste mundo.

Esta aristocracia do pensamento, que promove a razão acima de tudo, mesmo em questões espirituais como a religião, desautoriza o sujeito de sua autonomia. Não há espaço para criatividade onde imperam máximas utilitaristas; não há espaço para uma diversidade cultural em sociedades que maximizam o tempo cronológico em detrimento do tempo natural.

Na fábula de Esopo “A Cigarra e a Formiga”, a única recompensa possível é àquele cuja vida se dá por meio do trabalho árduo / Foto: Divulgação

Lembremo-nos da passagem da obra clássica “Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, na qual Weber descreve um caso onde os empresários e proprietários de terras tentaram aumentar a produção com aumentos de salários por maior produção, mas tal experimento se tornou ineficaz, pois os trabalhadores diminuíam sua carga horária de trabalho na medida em que se equivalia com o salário antigo.

Segundo Margareth Rago, numa obra introdutória, mas de extremo valor reflexivo, intitulada “O que é Taylorismo”, mesmo em nosso lazer buscamos o máximo de utilidade, contando um caso curioso de turistas que, espantados com as paisagens do local visitado, sacam suas máquinas de fotografar e registram aquele momento, mesmo não sabendo por que, mas precisam saber que estavam em atividade, produzindo.

O lazer de um domingo em família é sempre mais proveitoso quando em um passeio no shopping, no cinema, ou ainda, naquele resort ecológico com pacotes para famílias de até cinco membros, com café da manhã recheado de cachorro quente, café e guloseimas, apesar da proximidade com a natureza. Engajados numa vida de disciplina, trabalhando cada vez mais, na certeza de que o trabalho dignifica o homem, faz bem de vez em quando trabalhar nos fins de semana também, quando afogamos nosso vazio existencial no consumo, cada vez mais atrativo e sem sentido.

No Cristianismo, a gula é o desejo insaciável, além do necessário – um dos sete pecados capitais, relacionado ao egoísmo humano: querer ter sempre mais e mais, não se contentando com o que já se tem, uma forma de cobiça / Foto: Divulgação

Voltando a Taylor, este via na indolência dos trabalhadores a verdadeira causa dos problemas americanos na época, inclusive a miséria da classe trabalhadora. Pois num fato histórico marcante, em que a recente e constante chegada de imigrantes atrás de oportunidades e os efeitos da grande depressão do século, os trabalhadores acreditavam que se todos trabalhassem menos, todos teriam emprego.

A ingenuidade de Taylor foi achar que, com mais produtividade, todos ganhariam mais, patrões e trabalhadores. Ou seja, mais uma vez, a máxima ética do trabalho árduo, do aperfeiçoamento técnico e aplicação de ideias científicas salvariam o mundo.

Qualquer um que não estiver engajado neste ideal concebido pela estrita razão nascida na Grécia Antiga, perpassada pela Idade Média europeia e após, suas colônias e instituições educadoras e de assistência social, estaria amaldiçoado a não compartilhar da salvação. E, hoje, o mundo basicamente se divide entre aqueles que não conseguem dormir porque sentem fome e aqueles que não dormem com medo dos que sentem fome.