Quem trabalha com criação e em áreas da Indústria Criativa como Design, Games, Moda e Publicidade está acostumado a, no início do processo criativo, buscar “referências” para o projeto ou produto que se pretende desenvolver.
“Qual é a sua referência?” torna-se a pergunta mais ouvida atualmente nos espaços criativos. Mas, afinal de contas, não estamos criando nada de novo e nos contentamos em reciclar referências de outros criadores e épocas?
É certo que os artistas de outros períodos sempre buscaram referências passadas, como, por exemplo, no Renascimento (que emulou a estética clássica grega) ou mesmo no Modernismo (que resgatou a estética primitiva e naife), mas a criação, imagino, nunca esteve tão pautada no que já foi feito, de tal modo que a estética contemporânea torna-se revisionista, isto é, revê o que já foi realizado. A estética atual mistura referências do clássico e do moderno. Vivemos, assim, a cultura do remix: misturamos e selecionamos pedaços de referências para criarmos algo “novo”.
O desafio atual dos criadores de imagens é não cair, inconscientemente, no clichê ou na estética do pastiche. O processo criativo passa a ser mais intelectual e menos sensível, pois cabe ao “autor” estabelecer associações e articulações entre diferentes referências.
O cineasta Quentin Tarantino é um ótimo exemplo de criador que utiliza a remixagem de referências para produzir algo novo. Em seus filmes, o gênero de Faroeste, clássico na cinematografia norte-americana, convive com a linguagem dos filmes de samurai, tudo isso misturado com a estética do videoclipe e das séries da televisão da década de 1970.
O que, antes, se entendia como arquétipo (uma imagem que, como mito, se perpetuava nas nossas mentes, por gerações) se transformou, por conta da velocidade e efemeridade das imagens, nos memes digitais. Os memes são o sintoma mais contundente do desgaste atual da imagem, enquanto objeto que deve ser consumido e esquecido muito rapidamente.
O estatuto de imagem perde, portanto, o mito e deixamos de nos preocupar com pesos, antes associados às imagens e aos textos, que assombraram criadores de outros tempos, tais como “origem”, “tradição” e “autoria”.
Se podemos criar a partir do infinito arquivo de imagens da internet, por exemplo, tais conceitos se deslocam e perdem força. A consciência é de que não estamos mais “fazendo história” no campo das artes e da cultura e a montagem de referências passa a ser o método criativo atual.
Foucault (2005), por exemplo, diz que o discurso é formado pela “dispersão”, ou seja, sempre se diz através de outros dizeres e a cada novo enunciado estamos reformulando o que já foi dito. Na formação do discurso dos criadores não existe o controle e a coerência que, muitas vezes, a crítica de arte se precipita em determinar.
Toda obra de um autor, seja ele mais ou menos remixador de referências, está envolta por uma mitologia que a cerca, que não cessa de aparecer, de revelar um projeto maior – parte de outros textos relacionados que nos fazem montar o que chamamos de mundo do artista.
A incompletude da linguagem e dos sentidos da obra faz com que não tenhamos total acesso ao imaginário do autor, pois estão em jogo nesse processo o inconsciente e a ideologia. Aí mora a riqueza e o mistério da linguagem e da criação.