Eles não são escravos porque existem amos,
mas fazem existir amos porque decidem permanecer escravos.
Pela normalidade da aceitação dos problemas da vida contemporânea, surge a impressão de que os homens elegeram deliberadamente um modelo de vida moderno/colonial. É correto dizer que não há modernidade sem colonialidade porque a modernidade não é um período histórico, mas uma maneira de narrar o momento cultural iniciado no Renascimento europeu, que consiste em discursos de salvação, progresso e desenvolvimento.
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Temos dificuldade de conceber outros modelos de vida, outras formas de estar no mundo entre os homens e a Natureza, novos formatos de relações. Já em 1854, o historiador naturalista Henry Thoreau alertava quanto aos padrões de normalidade, compreendendo que “o que hoje todos aceitam, louvando ou em silêncio, pode revelar-se amanhã como um equívoco, mera fumaça de opinião que alguns tomaram por nuvem que espargiria chuva fecundando os campos”.
Desligar-se de um padrão normativo – sobre o qual muitas vezes não nos damos conta e não refletimos sobre, simplesmente para não quebrar um básico padrão de continuidade que assimilamos desde o nascimento – exige uma nova postura frente à vida e ao mundo. É preciso, antes de tudo, que nos reconectemos com o interesse pelos processos envolvidos em todas as nossas demandas cotidianas para sabermos, efetivamente, quais as implicações de nossas escolhas sobre a Natureza e a vida das gerações atuais e futuras.
Você, por exemplo, saberia dizer de onde vem sua comida? Quem fez suas roupas? Para onde vai o lixo que você produz? Hoje, adotamos um modo de vida que traz uma série de implicações e consequências ao planeta. A subsistência do padrão de poder mundial embasado na lógica capitalista do sistema-mundo moderno/colonial acarreta riscos ambientais que seguirão colocando a vida dos seres humanos em perigo.
O documentário Da Servidão Moderna (Confira aqui) faz uma analogia do estilo de vida ocidental moderno/colonial como uma escravidão voluntária. Os próprios escravos adquirem pela compra os produtos que lhes escravizam progressivamente, obtendo recursos através do trabalho alienante, um dos principais valores de estabilidade e segurança. Os escravos devem trabalhar mais e mais para pagar a crédito sua vida miserável porque a invenção do desemprego moderno tem como objetivo fazê-los agradecer sem parar pela generosidade do poder que se mostra tão generoso com eles.
Nesse sistema incessante, os melhores frutos de suas vidas lhes são privados, mas prosseguem sem perceber pelo costume contínuo da obediência que, aliada à produção e ao consumo, formam a tríade moderno/colonial que domina suas vidas. A desobediência lhes demanda muito risco, quebra de paradigmas e a sensação de afastamento da zona de conforto. Muito mais do que um ativista ou transgressor, esse homem do acomodamento capitalista é, antes de tudo, um prisioneiro da comodidade.
Para que todo esse consumo espetacularizado se realize, existem engrenagens que alienam as vítimas (consumidores) que devem se esquecer de sua condição servil. O surgimento de novas tecnologias e formas de entretenimentos vão mantendo uma multidão hipnotizada nas telas que intermedeiam seus códigos de normalidade. Não somos escravos porque existem amos, mas existem amos porque decidimos permanecermos escravos das roupas das modas, dos estilos arquitetônicos, dos processos alimentares e do consumismo como regra básica.
Em uma época onde a sustentabilidade do planeta é uma das pautas públicas mais urgentes, já se sabe que – pela ótica da compra e venda como progresso – não é viável estimular a consciência coletiva sobre os processos de produção e consumo. Crentes no capitalismo como única realidade global, estamos suscetíveis a processos de massificação das subjetividades e homogenização cultural, operados por uma sociedade de controle guiada principalmente a partir de ações midiáticas e publicitárias que visam à padronização das ações, baseando seu discurso no consumismo e no individualismo.
A condição humana atual de desintegração com a Natureza e o desconhecimento das consequências que nossas demandas impõem a ela é um assunto contraditório porque nunca se teve tanto acesso à informação. Envoltos em diferentes formas de sedução e consumo, os homens seguem sua letárgica jornada de pão e circo, até que, pontualmente, em algum lugar do planeta – e cada vez mais e com maior intensidade – a Natureza apresente seus sinais de desgaste reafirmando que, independente da vontade humana, os destinos do planeta são traçados por ela. E quando a Natureza berra, acaba a conversa.