O filósofo e ensaísta francês André Glucksmann inicia seu livro “O Discurso do Ódio” com a fábula “O Lobo e o Cordeiro” de La Fontaine. A fábula diz assim:

“…Além, disso, sei que você falou mal de mim no ano passado,
– Como poderia ter feito isso se ainda não era nascido?
– Ah, não? Se não foi você, então foi seu irmão.
– Mais uma vez, deve ser engano, pois não tenho irmão.
– Então, foi algum parente seu… pois nenhum de vocês me poupa.
Vocês todos, seus pastores e seus cães estão sempre contra mim.
Alguém me alertou a respeito disso. Agora é preciso que eu me vingue.
O lobo arrasta o cordeiro para o fundo da floresta e depois o devora
sem se importar com seus argumentos de defesa.”

A tese defendida por Glucksmann é de que “o ódio existe, todos nós já deparamos com ele, tanto na escala microscópica dos indivíduos como no cerne de coletividades gigantescas. A paixão por agredir e aniquilar não se deixa iludir pelas magias da palavra. As razões atribuídas ao ódio nada mais são do que circunstâncias favoráveis, simples ocasiões, raramente ausentes, de liberar a vontade de destruir simplesmente por destruir”.

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O autor também diz que “o ódio acusa sem saber. O ódio julga sem ouvir. O ódio condena a seu bel-prazer. Nada respeita e acredita encontrar-se diante de algum complô universal. Esgotado, recoberto de ressentimento, dilacera tudo com seu golpe arbitrário e poderoso. Odeio, logo existo”.

A verdade é essa: você não precisa concordar com outros pontos de vistas, pode discordar verbalizando, escrevendo, pode protestar, realizar passeatas, entre tantas manifestações de quem vive no sistema da democracia, porém sem ofender e agredir verbal, psicológica e fisicamente o próximo. Não pode (não deve) ofender o direito de terceiros – direitos tão importantes quanto o seu direito de discordar e expressar suas discordâncias.

Isso se chama Paradoxo da Liberdade de Expressão, um tema fortemente debatido nos dias de hoje. Ele funciona como um norteamento das discussões de ódio, dizendo: se queremos construir uma sociedade igualitária, onde todos possam viver de maneira plena, é necessário que exista a liberdade e reconhecimento total de toda forma de vida – tradicional ou não tradicional, e essa liberdade deve se sobrepor à liberdade de expressão.

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Isso significa dizer que discursos de ódio gratuito são geralmente tentativas de anular a vida do outro. E usando o termo ódio, você odiaria que um estranho tentasse anular o modo como você pensa, certo?

Devemos resistir ao mal, às ofensas, ao discurso do ódio com toda força e vigor, como o fez Gandhi, retribuindo com o amor. Difícil, sabemos, mas é a maneira mais ética e feliz de fazer a mudança social. Afinal, a democracia não pode ser apenas a existência livre da SUA opinião.

Por fim, vale destacar o pensamento do Ministro Luís Roberto Barroso do STF, em suas palavras: “O poder deve ser legítimo e limitado; quem não pensa igual a mim não é meu inimigo, mas meu parceiro na construção de uma sociedade plural; as oportunidades devem ser iguais para todos. Por isso mesmo, o Estado, a sociedade e o Direito devem funcionar de modo a permitir que cada um seja o melhor que possa ser”.

Você não é meu inimigo por não pensar igual a mim. Respeitando as diferenças e as diversidades, aumentamos as chances de construirmos uma sociedade livre, justa e solidária.