João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - joaojoseleal@omunicipio.com.br

No tempo do fogão a lenha

João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - joaojoseleal@omunicipio.com.br

No tempo do fogão a lenha

João José Leal

Pendurados na parede de algumas casas, ainda vejo aqueles quadros retratando uma paisagem hibernal europeia, tão familiar para nós, com tantas cidades colonizadas por emigrantes vindos do velho continente. São aquelas pinturas e estampas com a silhueta de uma bucólica casinha entre árvores, montanha ao fundo, em frente um riacho serpenteando o jardim, uma ponte antiga de pedra em arco, dois ou três imponentes tannenbauns, tudo branco de neve, despertando no expectador uma sensação de intenso frio que não conhecemos neste país de clima tropical.

Essas pinturas, muitas delas enquadradas numa caprichosa moldura, com suas formas ingênuas, cores simples e pouco elaboradas, representam um estilo de arte visual que o pessoal da academia, principalmente, os críticos, consideram cafona ou caipira. É que esses doutores das artes enxergam a pintura por uma escala estética buscada nas nuvens da sofisticação, onde não pisam os pés nem chega o pensamento das pessoas comuns. Como não sou da Academia de Belas Artes, gosto de contemplar essas pinturas, com suas paisagens brancas, nas paredes tropicais das casas brasileiras.

Vejo que há vida no interior dessas casas que me parecem ser de fadas. O filete cinza de fumaça, saindo da chaminé em direção ao céu gelado, me faz lembrar que, no interior da casa, há fogão a lenha esquentando panelas e aquecendo o ambiente doméstico. Sou da geração que vivenciou a transição do fogão a lenha para o progresso da cozinha sem fumaça, fogão a gás com sua chama azulada, aureola de fogo feita em segundos para fazer a água da chaleira a chiar em minutos e cozinhar rápido o feijão com arroz de cada dia, na mesa brasileira, então de muitas bocas para se alimentar.

Talvez, por isso, sempre que vejo essa casa com sua chaminé fumegando em meio à paisagem hibernal, lembro do fogão a lenha, dos tempos em que não se construía nenhuma casa sem esse monumento retangular de tijolos, espessas paredes laterais para evitar queimaduras nas barrigas dos imprudentes, tumba cinzenta coberta por sua fina lápide negra de ferro, seis bocas de fogo abertas para aquecer panelas, chaleiras e caçarolas, depositárias do alimento e da vida de todos nós.

Hoje, o fogo brota instantâneo a qualquer momento do fogão a gás. E já não lembramos mais do tempo do fogão a lenha, quando a primeira luta do dia, quase sempre enfrentada pela grande guerreira do lar, era a de acender o fogo, tarefa difícil sem uma porção de gravetos secos para arder e estalar ao receber a minúscula chama do fósforo Pinheiro, monopólio da sueca Fiat Lux, fabricante desse mágico palito incandescente.

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